Com os Gossip, Beth Ditto torna-se numa deusa improvável, numa explosiva mistura de pós-punk com a dança.
Em Julho de 2008, vi finalmente Neil Young ao vivo, no NOS Alive. E que raio tem isso a ver com os Gossip? É que tocavam na mesma noite, no palco secundário, e foi também a primeira vez que os vi. Enquanto eu delirava com o velho rocker e os seus solos, no meio de uma multidão de meia idade (ou acima), todos os meus amigos, um por um, me foram abandonando, a caminho de Gossip. Evidentemente achei aquilo uma blasfémia sem limites e fiquei sozinho, perdido num mar de cerveja e na guitarra de Young. Quando acabou, fui em busca dos meus comparsas, e encontrei-os no meio de uma festança monumental, cortesia dos Gossip. Apanhei a meia hora final, com o que me pareceu ser metade do público em cima do palco e, mesmo que não me tenha arrependido de não ter ido para lá mais cedo (era o Neil Young!), percebi a opção de quem não era fã hardcore do velho músico canadiano.
Os Gossip andavam na luta desde 1999, mas só em 2005 encontraram o pote de ouro. Com origem no Arkansas, não podiam estar mais longe de tudo o que estava a acontecer no início do século, em Nova Iorque ou no Reino Unido. Por isso, tecnicamente não fazendo parte da cena indie dessa altura, acabaram por entrar nela com estrondo, beneficiando de toda a atenção que a música alternativa beneficiava desde então.
À terceira foi de vez, neste ao terceiro disco. Standing In The Way Of Control foi editado no início de 2006, puxado por um mastodonte em esteróides e lantejoulas que é a faixa com o mesmo nome. Sem isso, tudo teria sido diferente, e provavelmente não estaríamos agora a falar nos Gossip. “Standing In The Way Of Control”, uma canção sobre direitos individuais e as barreiras que o sistema coloca no seu caminho, é presença obrigatória em qualquer lista dos grandes temas da primeira década do século XXI. É nocturna, sedutora, perigosa, ritmada, suada e obriga-nos a mexer e a pensar seriamente em encher a cara e, potencialmente, tirar a roupa. É um hino de liberdade nascido para as pistas de dança.
Se essa faixa é realmente incrível, Standing In The Way Of Control, o disco, não chega perto. Há outros momentos altos, como “Your Mangled Heart” ou “Listen Up”, que seguem algum do mesmo swing mas com menos força. No entanto, não é suficiente para fazer deste um disco obrigatório.
Na verdade, há duas coisas que os Gossip fazem bem, e nenhuma delas é o exercício LP: têm singles incríveis e são uma fenomenal banda ao vivo. Beth Ditto, a vocalista, é uma máquina de palco, tanto pelo seu vozeirão como pela postura de quem quer fazer a festa como se o mundo fosse acabar naquela mesma noite.
Os Gossip são um exemplo de um novo mundo inaugurado pela cena indie da primeira década dos anos 2000. Tal como os Rapture ou os LCD Soundsystem, fundem despudoradamente o rock e até o punk com a música de dança, numa mistura explosiva que faz levantar um morto. Por outro lado, a par da fantástica Karen O, dos Yeah Yeah Yeahs, foi mais uma mulher a assumir o centro do palco, algo em que o rock nem sempre foi pródigo. Por último, e não menos importante, o facto de ser uma mulher gorda e assumidamente lésbica (assim como a baterista Hannah Billie) não fez dela uma proscrita nas luzes da ribalta, antes pelo contrário. Viviam-se tempos de abertura, de mistura, de aceitação. Não vindo do submundo de Nova Iorque como muitas das bandas iniciais do indie-rock, os Gossip bem podiam ter nascido desse caldo cultural e social, em que toda a gente era aceite em nome da noite e da diversão, e não apenas os sérios e uniformizados homens brancos rock n rollers do antigamente.
Beth Ditto é agora personalidade de tv, activista e ainda música. Ainda a espalhar a verdade e a festa, como sempre fez.
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