Joana Espadinha está de regresso com um conjunto de canções tocantes, envolventes, dançantes e intemporais.
Não é preciso muito para definir este álbum, aliás basta uma palavra: superlativo. Depois de um óptimo disco lançado há três anos, Joana Espadinha pegou em tudo o que fez nesse trabalho e elevou a um patamar de excelência.
Ninguém Nos Vai Tirar o Sol é, para começar, um disco completamente realista. Logo na primeira canção, explica ao que vem, não está cá para fábulas nem expectativas sonhadoras: «não quero o príncipe nem o sapo, quero o meu amor enquanto ele durar».
E é também o disco em que Joana Espadinha se assume como estrela pop. No disco anterior, O Material Tem Sempre Razão, as coisas aconteceram de forma mais fortuita, quando chegou ao pé do produtor com as suas canções queria dar-lhes uma vida algures entre Joni Mitchell e Feist. Mas o toque de Benjamim tornou essas canções em algo completamente diferente daquilo que Espadinha tinha imaginado.
Porém, vestiu essa pele e assentou-lhe bem. Mas agora, na hora de criar o seu terceiro disco de originais, a cantora e compositora encarou de frente esse desígnio, assumiu o lugar e partiu para este disco com a intenção de aprofundar a linguagem que começou a criar no disco de 2018. O resultado é um álbum que é mais tudo. As baladas estão mais envolventes e tocantes, as músicas pop estão puros rebuçados a roçar o molde da “canção pop perfeita” e as letras são prosa madura que transforma, airosamente, dores de crescimento em purga descomplicada.
O álbum tem apenas dez canções, mas 9 são singles de rádio óbvios e a última é uma súmula instrumental de todas as restantes. E em todas, a mestria do produtor faz com que pareça que tudo é simples e evidente quando na verdade há inúmeras camadas que se vão revelando aos poucos. Do lado pop certeira temos por exemplo “O Príncipe e o Sapo“, com os seus órgãos à electro-funk e uma guitarra a lembrar os Chic. Em “Dar Resposta“, uma guitarra fuzz aproxima-nos do rock (não esquecer que o guitarrista é João Firmino, cabecilha dos Cassete Pirata, onde Espadinha também milita). Por ter sido lançada há mais tempo e rodar bastante nas rádios, “Mau Feitio” quase chega a ser irritante, mas isso passa num instante, numa canção que podia ter sido escrita por Rita Lee para as Doce. E o refrão de “Astronauta” é ABBA que nos fica gravado na mente e passamos o dia a cantar.
Como um bom vinil, o disco entra depois no lado B, muda o tom, abranda o toque e aumenta a intensidade e envolvência. “Quem Me Dera Saber Que Sou Feliz” brinca com o próprio título, quem me dera saber que sou uma coisa que estou a afirmar que sou. Realismo disfarçado de si mesmo, conduzido por umas teclas espaciais.
“Queda Prá Desgraça” tem a jinga daquelas baladas soul, só falta um naipe de sopros. Tendo sido mãe durante o processo de feitura deste disco, Joana Espadinha também canta directamente para a sua cria n’”A História do Pé de Feijão” mas consegue não ser lamechas nem doutrinária.
Como no disco anterior, Joana Espadinha guarda para o tema-título a melhor canção do álbum. Ampla, lânguida e intemporal, “Ninguém Nos Vai Tirar o Sol” é um hino sobre a coragem de aceitar que nada está nas nossas mãos mas sejamos capazes de ver beleza nisso.
Joana Espadinha documentou aqui um momento da sua vida, em que passou por transformações profundas a nível físico e espiritual. Crescer, seja em que idade for, implica sempre constatar a quantidade de coisas que se perde e fazer paz com isso (até porque são sempre mais do que as que se ganha). Mas ela consegue trazer-nos para o seu mundo em mutação, sem ceder ao desencanto fatalista e sem se armar em influenciadora moralista. E, pelo meio, tornou-se definitivamente uma estrela pop do nosso tempo.
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