quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Kiss: os discos solos de 1978

 Em 1978 os Kiss já eram uma banda de muito sucesso com seis ótimos discos de estúdio, a saber KissHotter Than HellDressed to KillDestroyerRock And Roll Over e Love Gun, além de outros dois gravados ao vivo, sendo que o primeiro deles, Alive! (1975), foi o responsável direto pelo enorme sucesso dos americanos. Para muitas bandas esses são números de anos e anos de carreira, entretanto isso tudo foi atingido em apenas quatro anos. Quem conhece a história do Kiss sabe que nessa época eles estavam extrapolando os limites do rock and roll, tornando-se heróis de histórias em quadrinhos e fazendo sucesso até com as crianças que usavam os mais variados artigos de merchandising dos mascarados.
Nesse ponto aproveito o espaço para fugir um pouco do assunto e comentar algo que sempre me intrigou: o fato de parecer que as coisas aconteciam muito mais rápido nas décadas de 70 e 80 do que atualmente. Procurem ler as histórias das bandas dessa época e talvez todos tenham a mesma impressão. As histórias e acontecimentos narrados durante esse período são inúmeros, muito diferente dos dias de hoje em que as bandas parecem que vivem em marcha lenta. Para corroborar essa teoria cito a própria história do Kiss que em apenas quatro anos tiveram tempo para ralar muito, ficarem super famosos e até começar as brigas internas.

Mas voltando ao assunto principal desse texto. Como todos sabem, o sucesso é algo que pode afetar a cabeça daqueles mais susceptíveis. Os problemas com drogas e egos infladíssimos começaram a afetar o relacionamento interno da banda. O Kiss sempre teve seus líderes muito bem definidos, Gene Simmons e Paul Stanley, mas a abertura, mesmo que limitada, que todos tinham para se destacar, inclusive cantando algumas músicas, incentivava as disputas internas já que todos queriam sempre um pouco mais de evidência. Todo mundo compunha suas canções e tendo quatro compositores em um mesmo grupo é de se imaginar que o número de composições excedia os limites que poderiam entrar em um álbum. Além de que alguns não eram lá grandes compositores e muito do que produziam não tinha qualidade suficiente para brigar com as produções dos outros componentes.
Essa situação estava gerando um clima insuportável no relacionamento entre os integrantes. Paul Stanley e Gene Simmons tinham maior número de canções nos álbuns e Peter Criss e Ace Frehley estavam descontentes. Esse tipo de situação já fez com que muitas e muitas bandas tivessem baixas em seus line up, sendo que a alternativa natural encontrada por muitos para ter liberdade para gravar suas músicas é muito conhecida de todos: as carreiras solo.
Só que Gene Simmons e Paul Stanley, conhecidos estrategistas, sabiam que o grupo e sobretudo a imagem dele como um todo precisava de Ace e Peter. A solução encontrada por eles foi de que cada um teria a liberdade de gravar um disco solo, porém eles sairiam com capas parecidas, cada um dedicaria o seu álbum aos outros três e, principalmente, estariam sob o nome da banda. Esse último detalhe escapa da percepção de muitos e é uma sacada de gênio, afinal os fãs eram praticamente obrigados a comprar todos os quatro discos. Ou seja, a arrecadação que teriam em um eventual novo disco foi multiplicada por quatro. O sucesso de um disco em especial seria colhido não só pelo autor do álbum, mas seria também relacionado à banda. Por outro lado um eventual fracasso seria diluído e amortecido pelo nome de prestigio que o Kiss já possuía. Além de que esses discos solos acabariam servindo para dissipar um pouco a animosidade que havia entre os componentes já que passar um tempo longe um do outro poderia curar algumas feridas.
Mesmo com algumas amarras todos tiveram liberdade para fazer o que quiseram e com músicos de suas preferências. Alguns preferiram trabalhar com diversos músicos convidados e muita gente conhecida, e até importante para a própria história do Kiss nos anos posteriores, acabou participando desses álbuns. Para combinar com a megalomania típica de Gene Simmons, ele acabou convidando uma legião de pessoas para participarem do álbum, enquanto Ace Frehley foi muito mais contido nesse quesito. Musicalmente o Kiss sempre se mostrou influenciado pelo glam rock e southern rock, mas esse último apareceu mais nesses álbuns. A seguir um breve comentário sobre cada um deles.
Gene Simmons
O baixista do Kiss não quis saber de tocar baixo em seu próprio disco solo. O posto ficou a cargo de Neil Jason. Muita gente conhecida participou do álbum como Joe Perry do Aerosmith, Bob Seger, Rick Nielsen do Cheap Trick e a namorada do linguarudo à época, Cher. O álbum de Gene é o que contém o maior número de músicas, onze ao todo. Uma delas foi parceria com outros músicos e outra é uma versão (meia-boca) de uma música da trilha sonora da adaptação de Pinóquio de Walt Disney, “When You Wish Upon a Star”. É também o mais “experimental” de todos os álbuns tendo diversos tipos de músicas juntas sem seguir um estilo definido. O single ficou a cargo de “Radioactive”, que é uma boa música com cara de que entraria em um disco do grupo, mas no meu entender a melhor do álbum é “See You Tonite”. Essa última entrou no disco acústico gravado pela MTV lá em 1994 e ficou ainda melhor, apesar de sem bem fiel, que a original. Outra que é bem legal e ficaria muito boa com o próprio Kiss é “See You in Your Dreams”. Algumas delas chegam a ser embaraçosas de tão ruim como “Tunnel of Love” e “Always Near You/Nowhere to Hide”. O álbum de Gene acabou sendo, pelo menos para mim, a maior decepção, pois apesar de ter algumas boas músicas a expectativa era maior por ter sido feito por um dos líderes da banda e por quem a gente sempre espera coisas boas.
Ace Frehley
Talvez quem mais aproveitou o fato de estar gravando um disco solo foi Ace. Tirando a bateria, que ficou nas mãos de Anton Fig, ele praticamente gravou todos os outros instrumentos. Fig acabou sendo utilizado nas sessões de gravação de alguns dos discos subseqüentes do próprio Kiss. O álbum de Ace acabou sendo a maior surpresa, é certamente o melhor álbum dos quatro e possui a música de maior sucesso entre todas as que foram gravadas: o single “New York Groove”. Por ironia essa música foi o único cover do álbum. É uma composição de Russ Ballard que já havia sido gravada por uma banda britânica chamada Hello. “Rip It Out” é tão boa ou melhor que o single escolhido e facilmente entraria em um álbum do Kiss. Outra que tem a cara de uma canção do Kiss é “Speedin’ Back to my Baby”. Paul Stanley disse que no início do processo de gravação ele temia que Ace não fosse capaz de fazer um álbum completo, muito provavelmente por conta das drogas. Acho que ele quebrou a cara.
Peter Criss
Se Paul achava que Ace não era capaz de fazer um álbum completo sozinho, no fim das contas quem precisou de ajuda foi Peter. É só lembrar que de todos eles, o baterista é o que menos tem material dentro dos discos do Kiss. E isso se refletiu em seu disco. Das dez músicas do álbum ele gravou, ou regravou, quatro músicas que não são de sua autoria e nenhuma delas foi composta somente por ele. Stan Penridge, Vini Poncia e Sean Delaney, músicos que sempre ajudaram o Kiss, tiveram bastante trabalho nesse álbum. Um detalhe muito importante é que metade das músicas que entraram no disco são baladas, em uma evidente tentativa de repetir o sucesso que Peter conseguiu com “Beth”, do álbum Destroyer de 1976. Na intenção de transmitir sentimento essas canções acabam soando um pouco forçadas. Não consigo identificar nenhum destaque evidente entre as músicas, talvez somente “You Matter to Me”, um dos singles, e “I Can’t Stop the Rain” têm um pouco mais de evidência. Foi o único que álbum que acabou tendo dois singles e muito provavelmente o segundo foi lançado para tentar diminuir o fracasso do primeiro, que foi “Don’t You Let Me Down”.
Paul Stanley
O álbum de Paul era o que mais tinha tudo para dar certo. Afinal Stanley é de longe o melhor compositor da banda e o mais centrado também. Enquanto Gene estava pensando em uma possível carreira cinematográfica, Paul Stanley nunca deixou de pensar apenas em música. O seu disco só não é o melhor de todos porque, como foi dito antes, Ace Frehley surpreendeu todo mundo. Paul Stanley gravou nove canções sendo que apenas três delas não foram compostas apenas por ele. Ou seja, enquanto todos os outros acabaram incluindo versões de outros compositores, Paul resolveu não fazer isso e boa parte seria muito bem vinda em um disco do Kiss. O single escolhido foi a melosa e bonitinha “Hold Me, Touch Me (Think of Me When We’re Apart)”, mas novamente acho que se fosse escolhida outra a recepção seria melhor. E nesse caso eu escolheria “Move On”.
A comparação entre os discos foi algo inevitável a ainda continua assim. Se você ler ou assistir alguma entrevista com os quatro sobre o assunto teremos opiniões totalmente diferentes entre eles mesmos. A única opinião que é unânime é a de que Ace surpreendeu, mas podem notar que todos falam que seus respectivos discos foram os que mais venderam (modéstia nunca foi o forte dos integrantes do Kiss mesmo). Mas sobre essa questão podemos ser mais específicos. A seguir vou apontar algumas posições de rankings importante para a música para que cada um tire suas próprias conclusões.
Na Billboard os discos alcançaram as seguintes posições: Gene Simmons (22º), Ace Frehley (26º), Paul Stanley (40º) e Peter Criss (43º). Os singles tirados desses discos, que foram limitados a apenas um por álbum, exceto para o do Peter, tiveram as seguintes posições: do Ace, “New York Groove” (13º); de Paul, “Hold Me, Touch Me (Think of Me When We’re Apart)” (46º); de Gene, “Radioactive” (47º) e, de Peter, apesar de ter dois singles, nenhum deles conseguiu ficar entre os 100 primeiros do chart da Billboard.
A revista Rolling Stone e o site All Music possuem classificação baseada em estrelas para avaliar os álbuns. Esses comparativos em especial são muito interessantes, pois são atuais e ajudam a entender como esses discos envelheceram durante todos esses anos. Na Rolling Stone as notas em geral são baixas sendo que os discos de Peter Criss e Paul Stanley receberam apenas uma estrela, enquanto o de Ace Frehley recebeu duas e o de Gene Simmons duas e meia. O All Music já é um pouco mais generoso dando duas estrelas para Paul e Peter, três para Gene e quatro para Ace. Todos esses dados mostram que as opiniões não conseguem ser unânimes exceto pelo fato de que no geral o disco de Peter Criss não agradou muito.
A seguir vou colocar algumas frases interessantes ditas pelos quatro sobre esses discos. Essa frases foram tiradas do livro Kiss: Por Trás da Mácara – A Biografia Oficial Autorizada, que é uma ótima leitura para os fãs do quarteto. Não estranhem que não transcreverei muitas frases de Peter Criss, isso acontece porque simplesmente não existem, ou foram deixadas de fora, e há comentários dele apenas sobre o seu próprio lançamento.

Sobre o Disco de Paul Stanley:
Se eu pudesse daria seis estrelas. Acho que é um disco muito bom; as composições são ótimas.” (Paul Stanley)
“…o disco solo que mais gostei foi o de Ace. Eu prefiro quando Paul faz letras mais radicais, mas nele há muita coisa tipo “o amor é isso, o amor blá blá blá”. Quando Paul começa a ficar romântico eu desligo. Duas estrelas.” (Gene Simmons)
Eu daria cinco estrelas à Paul. Achei o álbum solo dele o segundo melhor de todos”. (Ace Frehley)
Sobre o disco de Gene Simmons:
Eu daria nota três à Gene.” (Ace Frehley)
“…à vezes Gene fica mais envolvido com a embalagem ou com a impressão de que algo cria do que realmente está ali. Esqueça a lista de trinta celebridades. Acho que ele ficou mais preocupado com a presentação em vez de compor suas melhores músicas. Eu daria três estrelas à Gene.” (Paul Stanley)
Pessoas como Jonh Lennon, David Bowie, Jerry Lee Lewis concordaram em aparecer no disco. Ouvi que Paul McCartney estava interessado em aparecer. Quando ouço uma música de B. J. Thomas, eu curto. Ao mesmo tempo, eu gostava dos Monkees, do Deep Purple e do Crazy World of Arthur Brown. Se você gosta de Led Zeppelin, você não pode gostar de B. J. Thomas?” (Gene Simmons)
Sobre o disco de Ace Frehley:
Eu daria nota cinco. Paul e Gene são parcialmente responsáveis por eu ter feito um disco tão bárbaro, porque, imediatamente após nos separarmos para fazer o disco, eles realmente deixaram implícito para mim que eu não daria conta do recado.” (Ace Frehley)
Eu daria nota próxima a três para o álbum solo de Ace poruqe pelo menos ele é honesto. Quando ouvi “Rip It Out” pensei, ‘muito bem Ace’.” (Paul Stanley)
Acho que ele nem conseguia distinguir o pé esquerdo do direito nauqela época. Ainda acho que ele vive um pouco fora da realidade. Três estrelas.” (Gene Simmons)

Sobre o disco de Peter Criss:
Eu daria nota cinco, não por ser meu ou por eu ser egoísta, mas porque na verdade, eu trabalhei muito. Eu tinha acabado de ter um acidente de carro, todos os meus dedos estavam quebrados. Quebrei a costela, tive afundamento dos ossos do crânio. Tive que fazer uma plástica. Eu toquei todas as faixas muito bem, merecia tirar um A, mesmo com todas aquelas braçadeiras e esparadrapos.” (Peter Criss)
Eu daria nota três para Peter.” (Ace Frehley)
Acho que o disco de Peter resume bastante qual era o problema com a banda, afinal de contas. Não consigo achar nada do álbum. Não posso dar nenhuma estrela à ele.” (Paul Stanley)
Zero. De todos os discos que fizemos sozinhos ou em grupo, acho que este mostrou que o cara que estava por trás dele não tinha a mínima noção do que fazer.” (Gene Simmons)
Como dito lá no início do texto, a idéia dos álbuns foi tentar curar algumas feridas e apaziguar ânimos entre os músicos, porém isso ajudou a manter a formação original apenas por mais um ano. Já que Peter Criss saiu no final de 1979. Ace ainda ficou até o lançamento de Creatures of the Night e logo saiu também.
Espero que vocês se interessem novamente em ouvir esses discos. Podem não ser clássicos como os álbuns do próprio Kiss, mas são registros importantíssimos de uma das maiores e mais amadas bandas de todos os tempos originados de uma atitude inédita na história da música.  

 

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