Muito se diz sobre o quanto a música “era melhor”, ou “foi melhor” nas décadas anteriores, principalmente até os anos 80. Acredito que esse tipo de sentimento tem muito mais a ver com a memória afetiva de cada um do que com a qualidade das músicas e dos músicos mais atuais. Difícil comparar um disco que você ouviu a vida toda, muitas vezes diariamente à um que acabou de ser lançado. O primeiro sempre vira um ponto de referência difícil de ser alcançado.
Porém um ponto que me chama atenção de uns anos para cá é o tempo de música que temos em cada álbum ultimamente. Para isso temos que lembrar qual é a definição de um álbum e como essa definição foi se desenvolvendo ao longo do tempo. Obviamente não entrarei em detalhes e tentarei resumir para não desviar o foco do texto.
A música era difundida basicamente nas rádios e os artistas precisavam de uma forma para distribuir essas obras para os meios de divulgação. Assim, os singles, geralmente com uma faixa de cada lado, atendiam muito bem a necessidade. Os álbuns até o início da década de 60 eram apenas uma compilação de singles. Quando os grupos perceberam que o álbum era muito mais importante para eles e serviam muito mais do que uma mera coletânea e sim como um dos legados que os artistas deixariam para a posteridade, começaram a ter um cuidado maior com esse lançamento. Muitos dizem que a cultura de álbuns se iniciou com o Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band (1967), porém tivemos outros bons exemplos anteriores como o sensacional Pet Sounds (1966). A era do álbum foi o início do apogeu do rock and roll.
Os álbuns eram lançados em discos de vinil de 12” e eram tocados numa rotação de 33⅓ rpm. Sua capacidade musical era no máximo de 25 minutos de cada lado, mas o mais usual é termos algo em torno de 20 minutos. Quando se acumulava muita música em um mesmo lado do disco os sulcos, onde as agulhas atuam, deveriam ser cada vez mais próximos e quanto mais comprimidos esses sulcos, menor a qualidade da transmissão do disco para a agulha. Desse modo, uma limitação técnica acabou moldando o jeito de se pensar, produzir e consumir música. Ninguém tinha a intenção de ficar horas, dias ou até mesmo meses trabalhando em estúdio para lançar algo que seria arruinado na prensagem do disco. Ou seja, os artistas tinham os 40 minutos de música como um ideal.
Os artistas de hoje não se preocupam com esse detalhe já que o CD, lançado no início da década de 80 e popularizado quase uma década depois, tem capacidade de 80 minutos e não há nem a necessidade de se trocar de lado. Ou seja, a capacidade do CD é quase o dobro de um LP e pode armazenar todo o tempo de música sem nenhuma interrupção. E é aqui que está a questão de todo esse emaranhado de palavras que escrevo. Os músicos hoje em dia não estariam “livres demais”, sem limitações, que estão os deixando sem a necessidade de lapidar melhor sua música?
Peguem os discos mais aclamados da história e analisem o tempo de execução total. Como exemplos temos o Dark Side of the Moon com 43 minutos, o In The Court of Crimson King com 42, o The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders From Mars com 38 minutos e o primeiro do Led Zeppelin com 44. Estou certo que todos esses artistas e muitos outros da época tinham muitos mais idéias que queriam utilizar que não entraram nos discos – basta ver a quantidade de material extra que entram nesses relançamentos. Assim o processo de lapidação e cuidado com o que seria entregue ao público, me parece, era mais apurado. Certamente dois riffs ou duas melodias que hoje podem resultar em duas músicas foram condensadas em apenas uma, concentrando qualidade. Alguém já se deu conta que Reign in Blood, do Slayer, o álbum número 1 dos fãs, tem apenas 28 minutos totais?
Obviamente não estou dizendo que quanto mais longo pior o álbum já que temos inúmeros exemplos contrários em ambos extremos. Os artistas lançaram álbuns duplos e até triplos ao longo da história, mas para isso eles tinham que ter o respaldo da gravadora. Ninguém queria correr o risco de dobrar os custos, dobrar o valor de venda e ver esses esforços naufragarem. Alguns vão lembrar do irretocável All the Things Must Pass (1970), álbum triplo de George Harrison, lançado assim pelo acúmulo de material de anos e anos em que o músico ficou de escanteio na hora de escolher as músicas que entrariam nos discos dos Beatles.
Como disse, o CD surgiu no início da década de 80 com a capacidade de exatos 74 minutos. O mais curioso é que essa capacidade foi definida quando estavam desenvolvendo o produto com base na duração total da Nona Sinfonia em D menor, último trabalho de Herr Ludwig Van Beethoven. Com o passar dos anos a capacidade do CD foi elevada para 80 minutos mais por conta da necessidade de armazenar mais dados (medidos em megabytes) do que pela necessidade musical. O The Wall, por exemplo, não cabia todo em CDs de 74 minutos, mas consegui gravá-lo em apenas um disco quando surgiram essas mídias com 80 minutos.
Gosto muito do heavy metal do início da década de 80 e as bandas que estavam surgindo no período tinham a gana de lançar seus discos rapidamente e não é raro ouvir um álbum completo com pouco mais de 26-27 minutos. Inclusive o termo ‘álbum’ era usado quando o grupo queria dar maior valor ao seu lançamento, pois com esse tempo esses trabalhos podiam ser considerados EPs ou mini LPs. Em uma recente edição do Consultoria Recomenda indiquei o For the Universe (1985) do Martyr, uma banda holandesa de heavy metal como sendo um EP, mesmo ele sendo considerado um álbum pelo próprio grupo, mas essa definição é conflitante dependendo de onde você tira essa informação.
Apesar de ser a minha banda preferida não posso deixar de lembrar que o Iron Maiden tem abusado do tempo total de seus discos há pelo menos 20 anos. Basta lembrar que o último LP simples que a banda lançou foi o No Prayer For the Dying em 1990. E seu último lançamento, o The Book of Souls, foi lançado em LP triplo (CD duplo), após vários discos em LP duplo (CD simples), sem nenhuma excessão. Tenho certeza que se fossem limitados pelo tamanho de um LP simples alguns compassos ou algumas repetições em refrãos seriam limadas do resultado final. E eu estou falando de discos que gosto do modo em que foram lançados.
Há uma brincadeira que rola na internet em relação ao tempo de duração das músicas do Dream Theater. Apesar da brincadeira ser engraçada e gerar muitas tiradas legais elas são obviamentes exageradas. Mas toda piada para ser engraçada tem que ter um grau de exagero sim, mas principalmente um fundo de verdade. Acredito que o Dream Theater anda exagerando há muito tempo. O problema de se ter músicas muito longas é que ela tem que ser atrativa ao longo de toda sua duração, se não o ouvinte perde o interesse. O Yes lançou Close to the Edge (1972) com a faixa título tomando um lado todo do LP. A música fez um estrondoso sucesso porque é possivelmente a melhor música da banda. Porém, entorpecidos com o sucesso, tiveram a brilhante idéia de fazer um álbum duplo com apenas 4 faixas e lançaram o controverso Tales From Topographic Oceans (1973), que, apesar de seus inúmeros defensores (e tenho certeza que pelo menos um aparecerá aqui nos comentários), a grande maioria concorda que é um álbum difícil de ouvir e com muitas passagens que sobram. Acredito que tivessem os egos um pouco menos inchados e uma maior dose de bom senso o conteúdo composto para aquelas músicas teriam passado por uma peneira e certamente um disco muito mais conceituado seria lançado. E é exatamente nesse excesso que o Dream Theater está pecando. Basta dizer que esse último álbum The Astonishing (2016) tem 130 minutos e para preencher essa eternidade de música eles foram capazes de fazer não só uma, mas duas introduções para um mesmo disco. É ou não é um exemplo de falta de bom senso?
Quando falamos de bandas atuais fazendo um som legal não é raro lembrarmos de grupos que tem como um de seus objetivos o resgate da sonoridade de décadas atrás. Bandas como o Ghost, o Rival Sons, o Vintage Trouble e a carreira solo de Jack White lançaram os melhores discos dos últimos anos e tinham como característica não só o som calcado em gêneros e grupos das décadas de 70 e 80, mas também o tempo de seus álbuns, todos produzidos como se tivessem sido lançados nessas épocas. Pode ser coincidência, ou não.
Outro ponto que deve ser abordado é que as bandas hoje em dia não ganham mais tanto dinheiro quanto ganhavam na venda dos discos em si por conta de todo o contexto de distribuição musical que temos e que não é necessário detalhar aqui, pois todos estamos cansados de saber. Antigamente os shows eram encarados como uma forma de divulgar a venda dos discos. Atualmente um lançamento desse é mais um pretexto para uma turnê que é a forma que as bandas realmente ganham. Isso, talvez, influencie na quantidade de esforço que um artista empregue na gravação de um álbum. Será que não existe um sentimento de “deixe como está” ou “está bom assim mesmo”, algo que não aconteceria quando o álbum era algo mais importante? Ou até mesmo a quantidade de faixas. Talvez as bandas não se importem muito em peneirar e lançar só as melhores. Um álbum de heavy metal nos anos 80 tinha em média 7-8 músicas. Hoje pode chegar facilmente à 15. Acredito que não só as bandas lançam tudo porque afinal o CD comporta, como imaginam que quanto mais material for colocado no mercado, maior a chance de se produzir um hit de sucesso. Porém, pelo menos na minha opinião, uma quantidade exagerada de músicas acaba atrapalhando na hora de identificar aquelas melhores faixas diluindo a atenção.
Alguns artistas como o Kiss e o Twisted Sister já disseram diversas vezes que não têm mais o interesse de lançar álbuns, ou por questões financeiras – por acharem que não vão vender na quantidade que queriam –, ou porque o público está só interessado nos clássicos. Mas também existe um outro fator: o modo que as pessoas ouvem música atualmente. Poucos tem o interesse de ouvir o disco como um todo, estando confortável em ouvir apenas os singles e isoladamente. Em um vídeo no canal do Gastão Moreira, André Barcinski apresentou um dado que das pessoas que ouvem a primeira faixa de um disco apenas 30% ouvem a segunda. Não sei de onde ele tirou essa informação, mas, se for real, ela é importantíssima.
Tem muito tempo que estou ensaiando em fazer esse texto. Porém nunca o levei para a frente porque tive receio em ser mal interpretado ou até mesmo em não conseguir elaborar algo que interessasse outras pessoas. Não espero que as bandas lancem músicas de 2 minutos e nem sou adepto ao punk. Muito menos estou dizendo que músicas longas são necessariamente ruins – ouçam “Thick As a Brick” do Jethro Tull. Esse é um assunto que queria abordar há muito tempo aqui e só não sabia como fazê-lo. Queria até usar mais exemplos e argumentos, mas não quero deixar o texto muito longo, apesar que isso nunca ter sido problema aqui na Consultoria do Rock. Enfim, o texto como um todo tem a característica de um brainstorm e espero que seja só o início de uma boa discussão aqui nos comentários.
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