É impressionante a evolução que Little Simz teve em apenas dois anos. A diferença entre a musicalidade de Grey Area, de 2019, e Sometimes I Might Be Introvert é notória e deixa qualquer ouvido impressionado.
Da mesma forma que as aparências criam ilusões, os nomes formam enganos. Não podemos ficar presos a ideias pré-concebidas no momento em que realizamos juízos de valor sobre elementos de todos os tipos: pessoas, paisagens e obras de arte. No momento em que partilhamos opiniões próprias relativamente a um determinado assunto, devemos atentar apenas na verdade. É muito importante agir deste modo, sobretudo enquanto escutamos, respiramos, transpiramos, bombeamos, sugamos música. Para que o juízo seja genuíno, é essencial estarmos livres de correntes e algemas que nos conduzam ao engano.
Dito isto, Little Simz, de pequena, não tem nada. Na verdade, Simbiatu Ajikawo, nome próprio, é enorme, uma Artista com ‘A’ maiúsculo. Temos mesmo de ignorar o sentido imediato de ‘little’, até porque esse termo nunca serviu para descrever a vida artística de (Little) Simz, que, desde o começo, ultrapassou a dimensão musical (para além de rapper e cantora, a londrina é atriz).
Só os desatentos ficam surpreendidos com a brutal qualidade de Sometimes I Might Be Introvert. Lançado no terceiro dia de setembro, é indiscutivelmente o registo mais forte de Little Simz. No entanto, as experiências anteriores da rapper inglesa já tinham extraído da crítica reviews bastante positivas: Grey Area, o álbum anterior lançado em 2019, venceu os prémios Ivor Novello e NME, tendo sido também nomeado para o Mercury de melhor álbum do ano. Nesse contexto, o nome de Simz cresceu ainda mais no seio da indústria musical britânica, ao mesmo tempo que espectadores de todo o mundo assistiram ao papel que desenrolou na série “Topboy”, produzida pela Netflix.
É impressionante a evolução que Simbi teve em apenas dois anos. A diferença entre a musicalidade de Grey Area e Sometimes I Might Be Introvert é notória. Num primeiro momento, é importante realçar que o novo álbum de Little Simz tem uma duração de uma hora e cinco minutos, enquanto Grey Area fica-se pelos trinta e cinco minutos. Deste modo, Sometimes I Might Be Introvert é um álbum (mais) trabalhado, cheio de cantos e recantos que, assentando em interlúdios mágicos e coloridos, abrem alas a quatorze fortes canções à base de instrumentais, ora provocadores, ora soulful.
Se um dia derem por vocês a defender o papel de interlúdios em LP’s, usem Sometimes I Might Be Introvert (SIMBI) como exemplo paradigmático. Aqui, os cinco interlúdios, que estão ligados pelas mesmas notas, unem a mensagem do álbum, que não é mais do que uma confissão de Little Simz. SIMBI é um livro aberto, um trabalho cheio de verdades e revelações de desejos, sonhos, amores, mas também de medos, receios e dificuldades.
De certa forma, é justo afirmar que Sometimes I Might Be Introvert é a forma que Simbi encontrou para salvar tanto o seu mundo interior, como o mundo que se estende para lá dos seus olhos. Esta ideia fica clara se escutarmos a faixa iniciática, “Introvert”, onde Little Simz associa as fações da sua personalidade às injustiças de uma sociedade ainda dividida, ainda escura, ainda racista; o mesmo ocorre em “Point & Kill”. Na maioria dos temas, porém, a conversa é outra, preferindo Simz escancarar as portas do coração e as janelas da alma: músicas como “Woman” e “I See You” (ambas com Cleo Soul) oferecem ternura e conforto aos nossos ouvidos.
Contudo, Sometimes I Might Be Introvert não se faz apenas com amor. Ao longo de todo o LP, há muita vaidade – mas da boa, daquela que não magoa os outros. Apesar de ser uma pessoa que costuma preferir o silêncio à fala, Simbi reconhece o seu valor como mulher e artista, e não desperdiça nenhuma oportunidade para dar a conhecer aos outros as dificuldades e pressões que sentiu ao longo dos seus vinte e sete anos. “Standing Ovation”, “Rolling Stone”, “Protect My Energy” e as derradeiras “How Did You Get Here” e “Miss Understood” comprovam essa realidade.
Todas as faixas beneficiam de uma produção imaculada, que, em diversos momentos, transforma Sometimes I Might Be Introvert num álbum jazz, num álbum pop, num álbum rock, num álbum grime, num álbum afrobeat – num álbum de música e arte. Estamos perante um trabalho que tem chances elevadas de ganhar o título de melhor álbum do ano! É irrelevante qual é a instituição musical que decide o vencedor quando quem tem a última palavra, o último juízo de valor, somos nós, através dos nossos ouvidos e sentidos.
nTodos os anos, somos nós a escolher o melhor álbum do ano, no entanto, apercebemo-nos raramente de que temos esse poder. Quero acreditar que Simbi concorda comigo, até porque, no dia em que Sometimes I Might Be Introvert saiu cá para fora, Simz escreveu: “My best work to date. I’m so proud of this album. I remember being asked after Grey Area: “What’s next?! What’s next?! I had no idea but I knew it was going to be sick. To everyone that played a part in this project, thank you.”
Neste mundo cheio de ruídos e distrações, mais artistas como Simbi precisam-se. Repitam comigo: Simbiatu Ajikawo não é pequena. Apesar de, por vezes, ser introvertida, tímida, quietinha, Little Simz é enorme e criou um álbum gigante.
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