segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Love – Da Capo (1966)


 

O segundo álbum dos Love, Da Capo, é psicadélico mas realista, doce e zangado ao mesmo tempo.

A cena hippie americana tinha três grandes centros: East Village em Nova Iorque, Haight-Ashbury em San Francisco e a Sunset Strip em Los Angeles. Os Love de Arthur Lee protagonizavam esta última e efervescente movida. Todas as noites havia concertos em mais de vinte clubes da Strip (Whisky A Go Go e Pandora’s Box eram os mais conhecidos). Não era só dentro de paredes que a história do mundo se escrevia; muitos dos miúdos faziam a festa na rua, afugentando a clientela fina com os seus pés descalços e longos cabelos floridos. Os poderes instalados logo mexeram os cordelinhos, persuadindo a Polícia de Los Angeles a instaurar um recolher obrigatório na Sunset Strip para menores de idade. Os hippies contra-atacaram com manifestações, violentamente reprimidas pela polícia. Miúdos e graúdos (mainstream e contracultura) medindo as forças na rua.

Os Byrds eram a maior banda de Sunset Strip em ’65 mas o seu sucesso foi tanto que partiram em digressão pela América e pelo mundo. Os Love aproveitam o vazio para se tornarem os reis da Strip em ’66. Assinando pela Electra Records, lançam o seu primeiro disco em Março: Love é encantador mas ainda muito colado aos Byrds e aos Stones. Já Da Capo, publicado poucos meses depois, oferece-nos um psicadelismo inteiramente original, não devendo um cêntimo a Fifth Dimension ou a Revolver.

Psicadélico suave é o tom dominante em Da Capo. Veja-se “Orange Sky”, doce como o gomo de uma laranja, ou “!Que Vida!”, brincalhão como um gato atrás de um novelo de lã. O cravo e a flauta dão um travo barroco ao disco, apontando o caminho para o orquestral Forever Changes. A guitarra é delicada, sem distorção. A bateria latina e a flauta tropical polvilham o disco com deliciosos salpicos exotica.

Mas Da Capo não é só céus de laranja e de algodão doce. Há também psicadelismo negro e agressivo. “Stephanie Knows Who” é uma valsa violenta impossível de dançar. A bateria maníaca de “Seven and Seven Is” é punk para hippies, uma viagem traumática aos pesadelos da infância.

O lado B é ocupado por um único tema de 19 minutos, um blues improvisado que dura e dura e dura. Os fãs dividem-se entre os que veneram a prolixa fritaria de “Revelation” e os que o acham apenas chato e comprido.

Da Capo não é apenas um disco singular e imaginativo, é o retrato de um tempo e de um lugar, a cidade dos anjos e dos hippies nos loucos anos 60, com todas as suas nuances e contradições: a paz e o amor mas também a violência nas ruas, a expansão da consciência mas também as bad trips, as flores no cabelo mas também a segregação racial. Num tempo em que brancos ouviam música de brancos, e negros ouviam música de negros, os Love subvertiam estas estúpidas divisões misturando tons de pele. A forma pura da beleza é de todas as cores.


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