segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

St. Vincent – Daddy’s Home (2021)


Em Daddy’s Home, St. Vincent faz uma homenagem ao pop de inícios de 70, descartando os sons do anterior Masseducation. Um disco diferente mas familiar.

Primeiro, o óbvio. Como outros antes, Annie Clark merecia já ser apelidada de camaleónica, tais as diferenças de estilos na sua discografia. Se nos esforçarmos por arranjar um fio condutor, a que podemos chamar o “universo de St. Vincent” podemos também argumentar que cada trabalho explora planetas desse universo. Ou noutra metáfora, menos intergaláctica, podemos dizer que, pondo todos os discos, em formato físico, em cima de uma mesa, há vários deles que se tocam, uns em tangente e outros sobrepostos, mas cada um com o seu espaço independente.

O que Marry Me e Actor tinham de indie pop, Love this Giant tinha de experimentalismo e o álbum homónimo de 2014 de rock (que quase convenceu o nosso cronista na altura). Veio depois Masseduction e todo um revivalismo electropop logo extirpado por Masseducation. Agora neste Daddy’s Home, mudam-se mais uma vez os paradigmas, os instrumentos e as referências. Algures depois do verão do amor e antes do balanceio do disco, período que a artista explicou sentir “análogo a onde nos encontramos agora” é onde vamos encontrar o universo sonoro deste mais recente álbum.

Mais calmo que os anteriores dois trabalhos, o disco arranca de forma magistral com “Pay Your Way In Pain”, canção onde que os fãs de longa data se sentirão confortáveis. A descida a este submundo é gradual, mas em “Daddy’s Home”, terceira música do disco e faixa-título, já entrámos neste novo espaço. Esta canção, e o álbum de forma geral, falam sobre a prisão do pai de Clarke, a sua saída 12 anos depois e a parentalidade. Os traumas são sempre catalisadores de boas canções.

À quinta faixa, perto do primeiro interlúdio (há dois) surge-nos um som de cítara, à la kinks, ou mais obviamente, Beatles e todas as bandas influenciadas pelo misticismo oriental da época e com “Down” sentimos um sintetizador funky e saltitão numa canção sobre violência domestica. Não há escolhas estilísticas arrojadas e as canções soam frescas mas familiares ao mesmo tempo.

Clarke guarda os trunfos para o final do disco. Estão em “Somebody Like Me” e especialmente em “My Baby Wants A Baby”. Na primeira a artista está num tom vulnerável e se tivermos de buscar semelhanças, o dedilhado é ao estilo dos seus primeiros trabalhos, antes de Byrne. A segunda canção, a mais 60’s girl group, que encaixaria perfeitamente depois de uma canção de Ronettes, é sobre parentalidade e o medo de repetir do erro dos pais. “But I wanna play guitar all day, make all my meals in microwaves”, canta sem remorsos.

Este trabalho consegue manter um pé na familiaridade de St. Vincent e mostrar algo de novo ao mesmo tempo, ainda que seja assumidamente um disco para quem acompanha a carreira da artista, não sendo de todo, um disco introdutório e representativo dos anteriores trabalhos. O disco produzido por Jack Antonoff, (está em todo o lado agora) não será, pela inspiração, o mais acessível dos trabalhos de St. Vincent, mas não que ela se preocupe ou tenha de preocupar com isso. Ao conseguir esta mistura de familiaridade e frescura nas canções, consegue apresentar mais uma vez um trabalho sólido que merece várias escutas.


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