Nitin Sawhney dá-nos em Immigrants um poderoso e bonito documento sobre o mundo que temos e o que queremos
Foi em 1999 que, apanhando a boleia da popularidade do trip-hop e da world music, Nitin Sawhney esteve mais perto de se tornar uma figura mundial. A sua obra-prima, Beyond Skin, era já o seu quarto disco, mas foi aquele que melhor conseguiu captar não apenas a sua essência como a essência dos tempos que se viviam.
Depois disso, Sawhney nunca deixou de fazer álbuns e excelente música, mas voltou para abaixo do radar, seguido apenas pelos fiéis e pela crítica, que o tem enchido de elogios e de prémios. Agora, em 2021, o músico britânico de origem indiana volta a conseguir fazer coincidir um belo disco com a urgência cultural do mundo, neste momento.
Esse disco é Immigrants, e é sobre exactamente isso. O que é isso de ser emigrante, estrangeiro, diferente, mesmo que nascido no mesmo país e com a mesma nacionalidade? No fundo, Beyond Skin era já sobre isso, o tema central da sua obra, ainda que mais preso à questão dos indianos de primeira e segunda geração. Em Immigrants, a lente afasta-se e vai atrás desta questão nas suas várias vertentes. A prova da grande capacidade de Sawhney é tratar de um problema universal mas conseguir, ainda assim, torná-lo pessoal, pelas histórias que a música vai retratando.
A narrativa vai sendo contada pelas músicas, mas também conduzida pelos vários breves interlúdios (a que Sawhney já nos habituou): excertos de notícias radiofónicas de outros tempos, começando por uma em tom positivo acerca da chegada a Londres de 500 jamaicanos “com boas intenções” até outros com “ingleses de bem” a dizerem que estão contra a chegada de ciganos à localidade. Temos até a voz da mãe de Nitin, contando que foi procurar emprego quando o músico nasceu, porque o salário do pai não chegava para sustentar toda a família.
Tudo isto faz de Immigrants um documento poderoso, quando o Brexit mostrou com todo o esplendor o que o agitar do medo e da demagogia pode fazer. Mas isso seria vão não fosse a música que Nitin Sawhney, mais uma vez, nos oferece. É world music (no bom sentido) com electrónica onde cabem muitas paisagens diferentes, suportada por excelentes músicos que nos dão desde o omnipresente piano às cordas, ao baixo, às guitarras ou às indianas tablas. Tal como o mundo pode ser um bonito melting pot, também aqui há uma Babel nos vocalistas convidados. Aqui ouve-se do inglês ao indiano, passando pelo japonês, pelo árabe e pelo português, cortesia da sempre recomendável brasileira Nina Miranda.
Musicalmente, sendo um elegante deleite para quaisquer headphones, Immigrants não representa qualquer partida face ao que Sawhney já fez, e não vai “mudar o mundo”. Podemos também dizer que beneficiaria de ser mais curto e mais centrado. Mas é um poderoso e muito bonito documento sobre o mundo, o que temos e o que queremos (há lá esperança, mas não eufórica).
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