quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

POEMAS CANTADOS DE SERGIO GODINHO

Visita Guiada

Sérgio Godinho


Vinde à visita guiada

à esburacada

encruzilhada do amor

Cada qual sabe de cor

(Ninguem tem nada com isso!)

em que ponto de que dor

se arrisca a cauda na estrada

(É connosco o compromisso)


Já se avista

o amor, mas se o ciúme

em contra-mão se desloca

choque em cadeia provoca


Pega fogo num instante

mas adiante

apaga o lume

que é vital dentro da toca


E depois ninguém assume

estar por conta do ciúme

no lusco-fusco desta toca


Vinde à visita guiada

à esburacada

encruzilhada do amor


Agora vem

o amor, mesmo inocente

tem a inocência vigiada

faca na liga de decência


São desvios

se se está na rua errada

à hora errada

sexo errado, idade errada

são desvios da aparência


Mas já se sabe:

os suores quentes

causam em bastantes gentes

suores frios

arrepios

são feitios

são bafios!


Vinde à visita guiada

à esburacada

encruzilhada do amor

Cada qual sabe de cor

(Ninguém tem nada com isso!)

em que ponto de que dor

se arrisca a cauda na estrada

(É connosco o compromisso)


Ora aí vem

o amor

e as suas atrocidades

o amor

e as suas felicidades

o amor

e as suas sacaneidades

e utros ades

e virtudes

"hádes ver!

nunca mudes

não me dês agora um beijo

e capo rente o teu desejo"


Eis que chega

o amor, tem casca grossa

quando à tarde nos fascina

o amor tem casca fina

quando à noite nos destroça

e de manhã repõe promessa

assim que roça, assim que empina

junta corpos peça a peça


Vinde à visita guiada

à esburacada

encruzilhada do amor


Olha ao longe

o amor

avança e trava incontrolável

o amor

consequência do improvável

o amor:

ainda é possível avistar

num tronco, dois corações

sangues verdes, inscrições

em sequoia venerável?


Vinde à visita guiada

à esburacada

encruzilhada do amor

Cada qual sabe de cor

(Ninguém tem nada com isso!)

em que ponto de que dor

se arrisca a cauda na estrada

Cada qual sabe de cor

(Ninguém tem nada com isso!)

em que ponto de que dor

é connosco o compromisso

(Ninguém tem nada com isso!)


Vivo Numa Outra Terra

Sérgio Godinho


Contigo, na nossa terra

quisera eu bailar

contigo, eu trocara a jura

de a gente se amar

contigo, na nossa terra

quisera eu viver

mas vivo numa outra terra

a trabalhar

e a ganhar

p´ra viver

e a viver

p´ra ganhar


Eu sei que na minha terra

há gente a lutar

quisera eu estar lá com eles

sem ter que emigrar

mas tanto atirei semente

sem ter colher

que pedi um passaporte

para emigrar

e ganhar

p´ra viver

e viver

p´ra ganhar


Eu fui lavar saudades ao Tejo

a aguinha doce deu-me logo um beijo

eu fui lavar saudades ao Douro

abraços desses valem mais do que ouro


Aqui em terra distante

vivo mal e bem

sinto saudades imensas

de quem me quer bem

tenho um salário melhor

não há que duvidar

mas era na minha terra

que eu queria estar

e ganhar

p´ra viver

e não ter

que emigrar


Haja um dia que vem vindo

quem dera que já

em que eu faça uma viagem

de cá para lá

e que o trabalho me renda

sem ter de emigrar

que eu viva na minha terra

a trabalhar

e ganhar

p´ra viver

e não ter

que emigrar


Eu fui lavar saudades ao Tejo

a aguinha doce deu-me logo um beijo

eu fui lavar saudades ao Douro

abraços desses valem mais do que ouro

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