segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

The Incredible String Band – The Hangman’s Beautiful Daughter (1968)


 

O terceiro disco dos Incredible String Band, The Hangman’s Beautiful Daughter, é um dos clássicos maiores do folk psicadélico. Pai do Tim Buckley. Avô dos Fleet Foxes.

Os Incredible String Band vêm do circuito folk dos pubs de Edimburgo, começando por fazer música tradicional e respeitável. Até que a primeira dose de LSD muda tudo: a harmónica é agora rosa-choque, a viola transforma-se numa cítara fluorescente, o microfone pensa que é um relógio de Dali. Se a própria realidade se molda como plasticina colorida, porque não haveria a criação de ser barro igualmente maleável? Daí que Hangman’s Beautiful Daughter, terceiro disco do duo escocês, seja um salto no desconhecido, folk nos timbres acústicos e referências celtas, psicadélico na desbragada experimentação.

Não é a tradição em si mesma que é rejeitada, apenas qualquer ideia de pureza na pescaria. Mil referências contraditórias são reunidas na mesma demente torre de Babel: baladas trovadorescas jogam à bisca com hinos gospel, coros operáticos entrelaçam-se com vozeares arabescos, cítaras à Ravi Shankar apanhadas no prostíbulo com o mais burlesco music hall. Uma trip de ácidos, portanto: tudo está ligado a tudo, o passado e o futuro são um só…

Um humor nonsense atravessa o disco, algures entre a Alice no País das Maravilhas e os interlúdios de animação dos Monty Python. Em “The Minotaur’s Song” ficamos a saber que a pobre criatura mitológica não consegue dormir convenientemente por causa dos seus desconfortáveis cornos! “Witches Hat” e “Koeeoaddi There” têm o mesmo humor desconcertante, surreal e vitoriano ao mesmo tempo. Na próxima semana o macaco vem visitar-nos? A senhora Thompson ofereceu-me um urso? Que diabo! Se Lewis Carroll não tomasse banho escreveria assim…

The Hangman’s Beautiful Daughter não é um objecto fácil. Mesmo os temas mais orelhudos são subvertidos por arranjos excêntricos. Veja-se a dylanesca “Mercy I Cry City”, onde uma flauta anti-musical, piando ao acaso como um pássaro estúpido, corrompe o convencionalismo da canção. A experimentação nas vozes está sempre no limbo entre a dissonância avant-garde e a dolorosa desafinação. À primeira escuta confessamos crimes; à quarta, juramos amor eterno.

Muitos acusarão The Hangman’s Beautiful Daughter de ser irremediavelmente datado mas a história escreve direito por linhas tortas. Falamos do movimento freak folk do início do milénio, quando os neo-hippies Devendra Banhart e Joanna Newsom reclamam o seu legado. Sem a excentricidade barbuda dos Incredible String Band não haveria Fleet Foxes ou Grizzly Bear, Iron & Wine ou Bon Iver. Os clássicos nunca são datados, por definição…

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