terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Alice Phoebe Lou – Glow (2021)

 

Alice Phoebe Lou transformou um coração partido num manifesto de autoafirmação.

Alice Phoebe Lou fugia do amor enquanto tema para as suas letras. Achava-o muito visto (ou ouvido) e considerava que não acrescentaria nada de relevante ao mundo se também o fizesse. É audaz dizer que o amor é banal, mas essa mesma audácia veio a comprovar-se dois anos depois do lançamento do álbum que a levou para as luzes da ribalta, Paper Castles, de 2019. Em março deste ano, a artista sul africana contrariou o seu próprio preconceito de que as letras devem sempre transbordar de significado e profundidade e escreveu diretamente com o coração, sem pensar muito no assunto. Com Glow, deixou que o seu subconsciente tomasse as rédeas e, como a própria admite, era impossível impedir que transparecessem na criação os sentimentos (amorosos) em que nadava.

O mais recente álbum de Lou foi inteiramente gravado analogicamente, por meio dos amplificadores e microfones mais antigos que se conseguiu encontrar no estúdio. Há uma certa vivacidade e calor acrescentados às músicas que de outra maneira não seria possível, além de um sentimento de genuinidade particular – parece mais cru, ou mais caseiro, e menos feito para se produzir um espetáculo grandioso, indo de encontro à honestidade e simplicidade das letras.  Com uma bateria, um teclado, um baixo e uma guitarra se faz um disco que, provando a também intemporalidade do amor, nos assegura de que não há nada de errado no banal. Chamemos-lhe experiência comum, então.

Muito se brinca com as sonoridades em Glow. Guitarras que pairam e sons que brilham. Em “Only When I”, boiamos no espaço enquanto nos deixamos levar pelo baixo, que também ganha protagonismo em “Dusk”, que nesta se junta a um saxofone para uns apontamentos jazzísticos. Os primeiros acordes de “Lonely Crowd” transformam-se na melodia leve de “Lover // Over the Moon”, tão leve como se sente Alice, dado o fascínio que tem à pessoa que ama, revivendo na sua cabeça as memórias boas vezes e vezes sem conta. O ritmo divertido de “Lovesick” dá as mãos à solta “Glow”, na qual Alice se pergunta “Do I dare to feel this feeling?” ao som da sua guitarra. A resposta é, claro, sim, estamos aqui para isso.

Lou amou e viveu o que com isso chegou à sua vida. É simultaneamente leve e pesado, o amor; nós a amarmos; nós a sermos amados. Há encanto nesta intensidade que nos faz flutuar, como nos (d)escreve tão bem em “Heavy // Light as Air”. Mas com a mesmíssima intensidade vive agora a independência de quem viu a sua dedicação traída. A guitarra e o sintetizador dão uma festa em “Dirty Mouth”, onde o mau é bom e o bom é mau. Esta dualidade vê-se até instrumentalmente, com o passar de um ritmo divertido para uma melancólica justificação do seu escudo adquirido contra o amor. Rejeita-o porque a magoaram e agora protege-se.

Glow é aprender a ser e é ser-se jovem e não compreender inteiramente todas as coisas, mas não ter medo de mostrar essa ingenuidade e lidar levemente. Ter o nosso crescimento deixado à vista de todos requer coragem, convenhamos. Não é condenável sentir intensamente, muito pelo contrário. Lou foi à procura de um propósito e encontrou a vulnerabilidade de que não sabia precisar para questionar o próprio ego e deixar de precisar tanto da admiração alheia. É, no entanto, verdade que todas as músicas tocam todas mais ou menos nos mesmos pontos, mesmo sendo sempre muito verdadeiras, e falta-lhes alguma exploração harmónica rumo à novidade, pelo que as faixas nem ficam muito na cabeça.

É bonito ver um confronto claro com a realidade de ser jovem e estar enamorado. Ora se ama muito, ora se sofre muito. Alice tanto é forte e independente e lida bem com as transições da vida, como também procura as razões do irracional e transborda em sentimentos. Que chatice isso de sentir, às vezes. Glow é uma viagem à sua mente, numa onda de autodescoberta de alguém que começa a saber quem é, exaltando confiança e individualidade.


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