terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

'Forrozinho': o piseiro de cria dos interiores do Nordeste

 


“Puxa o fole, fi de rapariga!”: o bordão entoado pelo forrozeiro paraibano Duquinha na música “Abre a Mala e Solta o Som”, no início dos anos 2000, voltou à moda este ano. Só que agora em um cenário bem diferente. A faixa “Pique dos Malvadão”, que viralizou em páginas de vaquejada no TikTok e Instagram, resgata a voz do cantor — mas não a sanfona. Em vez do fole, a música traz vocais dos MC GW e KF cantando letras de putaria sob uma base que combina funk e forró. Essa música é do beatmaker cearense MTS no Beat e é um dos principais hits do chamado forrózinho ou xote funk, som que dominou as festas pelo interior do Nordeste, sobretudo as vaquejadas.

As vaquejadas nordestinas entraram no imaginário popular do Brasil com toadas e aboios de romantismo trágico e amor pelo campo. Ou ainda canções de forró como “Saga do Vaqueiro”, sobre as alegrias e tristezas da vida do vaqueiro. Há muitos anos, esses eventos passaram a ter grandes shows, como um verdadeiro festival que dura todo o fim de semana. Mas é por fora dos grandes palcos que a novidade do forrozinho surgiu.  

Localizada no agreste Pernambucano, Surubim é conhecida como a “capital da vaquejada”. Em setembro, a cidade recebeu a primeira edição da vaquejada após dois anos de pausa pela pandemia. No palco, apresentaram-se nomes do porte de Wesley Safadão, João Gomes e Taty Girl. Mas na parte de fora, paredões de som acumulavam-se tocando quase exclusivamente o tal forrozinho. Ali eu tive uma das experiências acústicas mais impressionantes da minha vida: três paredões, cada um tocando uma música diferente, formavam um triângulo. E no meio deles as pessoas dançavam embaladas pelo acúmulo de todas aquelas camadas sonoras. Dançavam seguindo uma massa sonora difusa e de ritmo acelerado, não uma música definida. “Na vaquejada [o forrozinho] é o que mais gera! O bicho pega de verdade, o pessoal fica tudo doido”, me conta o DJ Jeffdepl, um dos principais nomes do estilo — ao lado de MTS no Beat, DJ Mandrak Nordestino, DJ Melk e Luiz O Poderoso Chefão.

O TOQUE ELETRÔNICO

O forrozinho é uma combinação de forró e funk. Mas ela se dá não por uma mistura ou mera influência musical de um sobre o outro. Existe um compartilhamento das ferramentas e métodos de criação em programas de criação de beats (como o FL Studio) que imprimem um toque mais eletrônico e uma pressão maior no som do forrozinho. É como um piseiro de cria.

“O que os donos de som mais falam pra gente é do grave seco com o médio seco [do forrozinho]. Toca bonito quando bota pra tocar no paredão. Toca aquela batida firme, seca, que chama mais atenção que o piseiro

DJ JeFFDEPL

Antes de fazer forró, muitos dos produtores do forrozinho faziam funk. E agora aplicam várias formas de fazer funk no forró — como o uso de recortes de voz para formar uma levada rítmica, a estrutura de loops, uso de acapellas de MCs e pontos do funk. A citada “Pique dos Malvadão”, por exemplo, usa o ponto da famosa montagem funk “Teclado Lindinho 2009”. Por sua vez, o remix de “Crina Negra” (música muito tocada em quadrilhas juninas) do DJ Mandrak Nordestino utiliza vocais do MC Vuk Vuk e pequenos recortes de “Beautiful Liar” da Beyoncé e Shakira para formar a base do seu beat.

“Passei uns cinco, seis anos produzindo só funk. do jeito tradicional que o pessoal lá do funk faz, que é pegar um sample, uma acapella e fazer uma montagem. Eu tô fazendo a mesma coisa no forrozinho, só muda o ritmo”, explica o DJ Jeffdepl. Do município de Paulistana, interior do Piauí, ele tem 21 anos e produz desde os 15. Foi um dos primeiros a fazer essa levada do forrozinho. “No Maranhão foi onde estourou primeiro. O pessoal me marcava, me mandava foto, vídeo. Aqui no Nordeste —Piauí, Ceara, Maranhão — é pegando fogo, estourado”.

O DJ Jeffdepl é o responsável por um dos primeiros hits do forrozinho: uma versão de Coelhinha, da paulistana MC Pipokinha, lançada há cerca de seis meses. A música fez sucesso e chamou atenção da banda cearense A Turma da Pisadinha, que decidiu gravá-la no ritmo do DJ. A partir daí, Jeff de PL saiu enfileirando hits, como o remix de “Mágico do Som” (dos MCs WM e Lan) e “Wedewel (Tipo Tazmania)” (do MC Pequeno Diamante). Todas passam de um milhão de views em canais no YouTube — em certos canais, “Wedewel” tem até mais de 10 milhões e entrou no repertório de gigantes do forró, como Xand Avião.

O forrozinho pode ser considerado um desdobramento da pisadinha. Isso porque a pisadinha — vertente surgida em 2004 mas que ganhou força em 2020, sendo o ritmo mais ouvido no Spotify daquele ano — instaurou uma sonoridade mais eletrônica no forró. No entanto, há diferenças entre a pisadinha/piseiro e o forrozinho. Uma delas, segundo Jeff, é que o forrozinho é mais voltado para “os risca-faca” do interior. Mas a principal diferença é o seu som, especialmente destinado aos paredões.

“O que o pessoal dos paredão, dono de som automotivo mais fala pra gente é do grave seco com o médio seco. Toca bonito quando bota pra tocar no paredão. Toca aquela batida firme, seca, que chama mais atenção que o piseiro geralmente”, descreve. “O piseiro é mais aquela batida de lata, e o forrozinho é aquele som mais médio grave (o ‘tu-tu-tu’)”.

TOCANDO NOS MEMES E PAREDÕES

São dois os principais meios de divulgação do forrozinho: de um lado, os memes das páginas de forró e vaquejada no Instagram e TikTok. Do outro, os CDs/atualizadores de pen drive. Tratam-se de equipes que reúnem as músicas mais tocadas do momento e vendem em pendrives ou em pastas na nuvem, para os donos de som baixarem, tendo sempre um repertório atualizado.

“O pessoal dos CDs tem uma força muito grande. Ajudam muito na divulgação. O pessoal das páginas é mais pique rede social e o pessoal do CD é o resultado pessoalmente”, diz Jeffdepl. Ele detalha: “Exeplo: eu tô aqui e faço um CD de forrozinho. Aí eu fiz isso e repassei pro pessoal ds CDs: Load CDsBlack CDsHard CDs etc. Eles pegam as atualizações, fazem a equalização deles, botam no Sua Música e vendem. Aí eu to aqui de boa, depois de umas duas semanas escuto um carro passando tocando a música. Geralmente o cara do carro não pegou na internet, no youtube. Eles não pegaram na atualização dos caras do CD. O que mantém o forrozinho em alta é essa galera. E a galera das páginas”.

DJ Jeffdepl, do Piauí, é um dos principais nomes do forrozinho

Jeff explica que não recebe nenhuma comissão dos atualizadores de pen drive por usar suas músicas. “Prefiro receber por plataforma e show. Para mim, o que eles fazem é uma forma de divulgação. E quanto mais divulgação melhor”.

Aproveitando o momento de alta, artistas do forrozinho uniram forças na produtora Cangaço 7 Som. Criada por Jeff, a produtora foi formada há um mês e ainda está se organizando. Mas já conta com alguns dos maiores nomes da nova vertente, como MTS no Beat, DJ Melk e Luiz Poderoso Chefão. “Criei mais na intuição de unir o pessoal. Ainda não assinamos contrato com ninguém, é mais associacao”, ressalta o DJ.

Enquanto os DJs se unem, o forrozinho começa a ganhar identidade própria e conquistar o ouvido de outros artistas e de outras regiões do país. Em outubro, o DJ Jeffdepl foi a São Paulo para trabalha em estúdio com o MC Menor Diamante (a voz do hit “Wedewel/Tipo Tazmania”). A música “Senta Pros Bandido”, do paulista DJ Guuga com o paraibano Biu do Piseiro e a mineira MC Myres tem a pegada do forrozinho. E o ritmo também está presente em um novo viral do forró: “Novinha do Onlyfans (tchan ran tchan tchan)”, de Kadu Martins, além do ritmo aplica também a lógica das vinhetas. A música atualmente está na 17ª posição dos videoclipes mais acessados no YouTube Brasil.

“Muita gente fala que o forrozinho vai bater de frente com o piseiro. Acho que isso tá bem distante, mas acho que tá ficando um ritmo solo ali”, reflete o DJ Jeffdepl. “As músicas tudo viralizando, praticamente tudo que a gente solta tem tipo 20 mil [visualizações]. A gente produz todo dia, é muito conteúdo”.

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