Kurt Wagner conseguiu mais um pequeno milagre: o mais recente longa duração da banda de Nashville volta a deslumbrar. Aos poucos, devagarinho, entranhando-se por camadas que vão tomando conta de quem o ouve com a devida atenção. Showtunes é um delicioso slow burner.
Todos nos lembramos dos Lambchop dos tempos de Nixon (2000) e dos tempos de Is a Woman (2002), ambos os discos igualmente deliciosos. Os que já haviam despertado para o génio de Kurt Wagner há mais tempo recordam-se, seguramente, de outros belíssimos e delicados trabalhos como How I Quit Smoking (1996) ou do inaugural I Hope You’re Siting Down / Jack’s Tulips, de 1994. Entretanto, os Lambchop já por cá andam há quase 30 anos, e o que mais espanta, provavelmente, é a forma como souberam, de tempos a tempos, reinventar o seu legado musical sem que, no entanto, prescindissem da imagem sonora de marca que sempre os caracterizou. Aliás, os Lambchop pertencem àquele tipo de bandas que julgamos que se esgotarão desde o primeiro par de discos, de tão idiossincráticos que são, mas que, felizmente, tal coisa nunca aconteceu. Algo semelhante aconteceu, eventualmente, com os Tindersticks ou com os Sleaford Mods, por exemplo, mesmo que em registos completamente diferentes. Acabam sempre, embora com algumas intermitências, por serem capazes de fazer álbuns muito dignos de registo.
Com o recentíssimo Showtunes, no entanto, algo de inusitado aconteceu. Embora também influenciado pelo uso de tecnologias sonoras eletrónicas (convém perceber que Showtunes é ainda descendente direto do soberbo Flotus, de 2016), a verdade é que carrega consigo um experimentalismo delicado que não desvirtua o passado sonoro da banda, mas antes o preenche com uma vasta gama de novos pontos de interesse. Perceber até onde as técnicas de estúdio permitem ir na gravação de um álbum é, talvez, a vertente mais curiosa de todo este trabalho sonoro. 31 minutos são suficientes para que se perceba o que dizemos. Ou seja, pouco mais de meia hora repartida por oito temas de qualidade inegável. Devemos, mesmo assim, ouvir Showtunes com parcimónia, devagar, aprendendo que só assim se poderá digerir melhor o prato completo. E é um prato cheio, claramente.
Acusticidade, eletrónica e experimentalismo. A receita tem, sobretudo, estes ingredientes bem frescos. E se a isso juntarmos a cortesia da voz de Kurt Wagner, as elegâncias melódicas das composições e o apuro das técnicas de gravação, então poderemos finalmente degustar do disco, sendo que aos poucos, à medida que o vamos ouvindo em repeat, fica-nos nos ouvidos um aftertaste duradouro.
Não são muitos os temas de Showtunes, como já referimos. Mesmo assim, destacaremos alguns, para não cedermos à tentação de fazer constar, neste texto, cada um deles. A vanguardista “Drop C” é das composições mais impressionantes de todo o álbum, assim como a longa e estranha “Fuku”, que parece que se vai arrastando com algum esforço nos seus sete minutos e pouco de duração, pontuada por sopros que lembram longínquas passagens de Miles Davis, mas que no fim surge tão redonda e perfeita. E para que o número de destaques fique no ponto exato, a canção que abre o álbum (A Chef’s Kiss), que talvez seja a que mais se aproxima da tradição sonora da banda.
Para terminarmos, a ideia a manter e a sublinhar é a de que a audição completa é amplamente aconselhável. Por isso, siga o nosso conselho: demore-se nela, não tenha pressa, perca tempo com Showtunes para que possa, finalmente, perceber que o tempo gasto foi, afinal, um tempo ganho.
Sem comentários:
Enviar um comentário