sábado, 18 de fevereiro de 2023

The Smashing Pumpkins – Gish (1991)

 

O álbum de estreia dos Smashing Pumpkins, Gish, tem tanto de delicadeza e de sonho como de gasolina a arder.

Quando Gish aparece em ’91, alguns meses antes de Nevermind, pouca gente dá disso conta. Na era pré-Nirvana, o rock alternativo tinha pouca visibilidade, ficando circunscrito ao circuito das rádios universitárias. O facto de os Smashing Pumpkins serem de Chicago, longe dos centros de decisão da indústria musical, também não ajudou. Só depois do sucesso de Siamese Dream é que descobrimos, em retrospectiva, a pérola escondida do disco de estreia.

Onde Siamese Dream é um portento do formato-canção, Gish é mais proggy: música sem forma fixa fluindo como um líquido (os interlúdios instrumentais: tão ou mais importantes do que a melodia da voz).

Gish é uma caixa de duas mudanças, mete-se a primeira e é psicadelismo doce, mete-se a segunda e é rock pesado que não deixa prisioneiros.

As divagações quase prog acontecem quando se engata a primeira. As guitarras lânguidas e sonhadoras de “Rhinoceros” e de “Crush” entorpecem-nos os sentidos, provocando-nos uma sensação de maravilhamento. A voz de Billy Corgan, irritante quando se esforça (uma ovelha doente a balir), é bonita quando sussurra (uma brisa suave a passar). Pensem numa canção dos Love ou numa balada do Hendrix, apliquem-lhe um filtro indie moderno, e terão uma ideia aproximada de quanto tudo por aqui é delicado e onírico. As referências estão lá mas devidamente disfarçadas, excepto na lindíssima balada final: “Daydream” é uma cópia descarada de My Bloody Valentine e nem a bonita voz de D’Arcy consegue redimi-los da infâmia.

Relembramo-vos, porém, que há um lado de Gish que nada tem a ver com o éter do sonho: o lado rock’n’roll. A canção de abertura, “I Am One”, faz disso prova, esmagando-nos com os seus riffs de brita e alcatrão. Nós por aqui confessamos a nossa preferência pelos temas mais psicadélicos mas lá que “Bury Me” nos dá uma vontade sadia de destruir esquadras isso não podemos negar. É delicioso o contraste entre a voz frágil de Corgan, quase feminina, e o esmagador heavy rock de asfalto e gasolina.

Butch Vig co-produziu o disco em conjunto com Billy Corgan. Quando se juntam num estúdio dois perfeccionistas obsessivo-compulsivos, o resultado só pode ser um: a precisão clara e cristalina de Gish. A produção é quente e orgânica, um retorno à naturalidade dos anos 70. Reza a lenda que Corgan, descontente com o desempenho de James Iha (na segunda guitarra) e de D’Arcy (no baixo), regravou tudo sozinho. Que o então casal não tenha mandado Billy bugiar fê-los merecer cada grama de dignidade açambarcada. Já a bateria sincopada de Jimmy Chamberlin era intocável. O tipo vinha do jazz, nem é preciso dizer mais.

Se com Gish poderíamos imaginar todo o grandioso futuro dos Smashing? Corgan como um dos maiores escritores de canções da sua geração? A passagem da coroa depois da morte de Cobain? Não iríamos tão longe. Mas que já havia qualquer coisa (o assombro da beleza), disso não temos quaisquer dúvidas.



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