quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Let It Be: o fim de um sonho

 

Em 1970 foi lançado o último disco do quarteto mais famoso de Liverpool. Let It Be gerou controvérsias, deixando inclusive Paul McCartney decepcionado com o resultado final. Um dos maiores desagrados estava por conta da mixagem. Pela primeira vez, George Martin não havia sido o responsável pela produção, tarefa que ficou a cargo do experiente Phil Spector. 
A ideia, aliás, era mais do que simplesmente fazer um disco. Tratava-se, na verdade, de um projeto multimídia envolvendo filme, livro e LP. Inicialmente o projeto teria outro nome: “Get Back”. Inspirado pela canção de Paul, o título refletia bem o clima que pretendiam passar. Cansados com as inúmeras críticas que vinham recebendo da imprensa, os rapazes resolveram fazer um disco de volta às raízes. Sem psicodelia, sem arranjos muito rebuscados. Apenas o som dos quatro integrantes tocando ao vivo dentro do estúdio, como faziam no início da carreira. A capa seria uma foto tirada no mesmo edifício onde fotografaram a capa de Please Please Me (1963). Ideia mais tarde utilizada nas coletâneas 1962-1966 e 1967-1970, ambas lançadas em 1973.
Logo no início ficou nítido que o projeto falharia. As brigas entre os integrantes eram constantes. Paul e George discutiam o tempo todo. John não demonstrava mais interesse. Cada um tinha uma concepção diferente do que os Beatles representavam em suas vidas naquele momento. Para piorar, John, Paul, George e Ringo não se sentiam à vontade criando frente às câmeras. 
Ninguém se sentia satisfeito com o material, embora John Lennon acreditasse que seria interessante lançá-lo. Acreditava que o trabalho era honesto e que saciaria o desejo das pessoas ouvirem os Beatles de maneira natural, sem as benfeitorias do estúdio. Resolveram lançar um compacto para testar a reação. Com “Get Back” de um lado e “Don’t Let Me Down” de outro, resolveram creditar a participação de Billy Preston na capa. Assim, ninguém poderia dizer que não foi um trabalho de grupo. 
Os Beatles trabalhando em Let It Be
Ainda não contentes com o resultado, engavetaram o trabalho, começaram um novo disco – Abbey Road – e pediram a George Martin que voltasse a produzi-los. Tendo acompanhado todas as brigas no início do ano (as gravações de Let It Be tiveram início em em 2 de janeiro de 1969), disse que topava, apenas com a condição de que todos os quatro cooperassem. O trabalho surpreendentemente correu bem e o álbum foi lançado. John, no entanto, estava cada vez mais afastado do trabalho dos Beatles. Suas contribuições em Abbey Road foram mínimas e o músico estava desanimado com o modo que seus dois discos feitos junto com Yoko Ono (Two Virgins e Life With the Lions) vinham sendo tratados pela mídia. Começava a compor várias canções que acreditava não ter relação com o trabalho dos Beatles, entre elas estava “Cold Turkey”. Em um belo dia, quando os quatro se encontraram para discutir os inúmeros problemas que vinham enfrentando (fitas de “Get Back”, Apple, Allen Klein, futuro do grupo, etc), John anunciou: “quero um divórcio. Assim como tive de Cynthia”. Era o início do fim!
Em janeiro de 1970, Phil Spector foi para Londres a fim de realizar seu maior sonho: produzir os Beatles. O convite foi feito pelo novo empresário Allen Klein. Uma solução tinha que ser encontrada para o lançamento daquelas fitas. Havia muito dinheiro envolvido!
A contratação de Allen Klein, inclusive, gerou uma grande polêmica entre os membros da banda. Após John Lennon ter comentado em uma entrevista que a Apple estava a um passo da falência, Klein o procurou, e seus conhecimentos impressionaram tanto John que o beatle tratou de convencer George Harrison e Ringo Starr a apoiarem sua escolha. Klein era experiente, já vinha trabalhando com os Rolling Stones, e John Lennon sentiu confiança em suas palavras durante a conversa que tiveram. A outra opção seria Lee Eastman, pai de Linda Eastman (mais tarde conhecida como Linda McCartney). Paul não concordava com a decisão e optou por não assinar o contrato. Os Beatles precisavam de um empresário, pois Brian Epstein, que era o responsável pelos contratos e pela contabilidade da banda havia falecido no segundo semestre de 1967. Brian foi encontrado morto em seu quarto, aos 32 anos, vítima de uma overdose de Carbitol (medicamento para insônia). Esse problema durou anos, uma vez que Paul McCartney abriu um processo contra os três ex-companheiros em 1971, alegando essa ter sido a causa do “divórcio” entre eles. 
Phil trabalhou primeiro no mais novo single de John Lennon, “Instant Karma”, e depois começou a trabalhar em Let It Be. Ficou acertado que o álbum e o livro seriam lançados em abril e o filme em maio. 
Assim que recebeu o material em mãos, entregou-se ao trabalho. Antes, no entanto, pediu para que nenhum integrante dos Beatles se envolvesse na produção – direta ou indiretamente. “The Long and Winding Road” deixou Paul McCartney chocado. O músico queria que a canção fosse uma balada simples, despretensiosa, apenas com piano e voz (conforme apresentado no longa-metragem). Phil Spector, no entanto, transformou-a em uma grande produção com direito a coros e orquestra. 
Tanto Paul McCartney como George Martin ficaram desiludidos. O fim dos Beatles era inevitável. George Harrison e Ringo já estavam tocando suas vidas adiante. John já havia pedido para sair. Paul viu que não havia mais solução. O grupo havia se desintegrado. Ao contrário de John, que havia optado por não declarar nada de sua saída a imprensa, Paul sentiu-se na obrigação de anunciar o fim do conjunto. Por conta disso, muitos creditam o fim dos Beatles a Paul.



Let It Be… Naked
Recentemente, Paul McCartney declarou à revista Rolling Stone que ele acredita que o fim dos Beatles estivesse relacionado, principalmente, ao ego. Segundo ele, “no início tínhamos dois egos para ser trabalhados: John e Paul. Nessa fase tínhamos quatro egos. Ficou impossível trabalharmos juntos”
Em 2003 chegou às lojas o disco Let It Be… Naked com as versões mais cruas, como Paul McCartney sempre sonhou. “The Long and Winding Road” teve suas orquestrações e coros retirados, “Maggie Mae” foi deixada de fora e “Don’t Let Me Down” foi incluída no disco. O efeito conhecido como wall of sound introduzido por Phil Spector durante a produção, foi retirado, deixando as músicas mais limpas. Muitos fãs passaram a preferir essa nova versão à original. 
Para os fãs de carteirinha e colecionadores fica uma dica. Em 12 de dezembro de 1969 foi lançada uma coletânea beneficente chamado No One’s Gonna Change Our World. Esse álbum trazia pela primeira vez a canção “Across the Universe” com os Beatles. A versão deste disco é diferente da utilizada em Let It Be


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