O segundo rebento de Mãeana chega com a mesma dose de encantamento do seu primeiro momento de maternidade. Resta-nos recebê-lo de braços abertos.
Ana Cláudia Lomelino é um dos mais bonitos segredos da música popular brasileira. No entanto, há já mais de uma década que se faz ouvir no seu país e também um pouco pelo mundo, primeiramente como a voz da banda Tono, depois através da sua persona Mãeana, que já nestas páginas mereceu bom e significativo destaque. A razão é simples: Ana Cláudia Lomelino é portadora de uma voz que facilmente nos cativa e hipnotiza, e como se tal predicado não bastasse, é também criadora de um universo artístico muito particular. Único, até. Há que dizê-lo. Este seu projeto musical encerra uma idiossincrática visão do mundo, mesclando transcendência e realidade, colorindo tudo o que faz com rasgos de um certo psicadelismo tropical temperado com doces efeitos sonoros, serenos, quase ataráxicos. O seu disco de estreia (Mãeana, 2015) foi um autêntico triunfo da serenidade e do extremo bom gosto artístico. Os astros estiveram a seu favor nesse abençoado primeiro conjunto de canções. Agora, passados quase seis anos, todas as entidades celestes foram de novo convocadas e repetiu-se a grandeza das coisas sonoras e místicas. As portas do seu Olímpo feminino estão de novo abertas, e é imprescindível entrar.
Os tambores e atabaques em honra de Oxum abençoam Mãeana 2 logo nos instantes iniciais. E quando a sua voz canta “dou flor em tudo, dou flor em tudo”, surge-nos à ideia o imaginário da Carta fundadora do país irmão, pois parece que com Mãeana, “em se plantando tudo dá”, e de forma abundante e rica. São catorze os temas que se escutam nesta sua segunda entrega de originais. Assim, o disco continua com um tema surpreendente de swing e charme (“Vida Interior”), lançando o repto ao afirmar que “dizem por aí que no espaço sideral há sinal de vida interior / e é pra lá que eu vou”. Um dos melhores momentos do álbum, sem dúvida. Enorme e prazenteira levada que não deixará ninguém indiferente. Como mãe a tempo inteiro (assim como inteira se dará a tantas outras coisas da vida), os temas “Tudo Dom” e “Sê Rei” homenageiam os dois filhos que tem com Bem Gil, filho do grande mestre tropicalista Gilberto Gil. O primeiro dos dois temas é quase um rock à maneira dos Beach Boys, o segundo é meio bossa – meio samba, “um sentimento de paz e assombro”. Delicadeza, paz, serenidade. Essas são, aliás, as substâncias sonoras maiores do disco, como bem se prova em “Se Tudo é Relativo”, terna canção que tem na voz de Ana e nas cordas do violão de Bem os encostos perfeitos para nela repousarmos o corpo e os ouvidos.
São várias as participações de peso neste trabalho, desde logo a de Domenico Lancellotti, mago de percussões e baterias várias, assim como de Bruno di Lullo e, evidentemente, de Bem Gil. Nas composições, destaque também para Letícia Novaes, mais conhecida como Letrux, que empresta a Mãeana 2 a canção “Abseduzida”. Outro momento de grande efeito é “Menina Neon”, de Bruno Capinan, sobrinho do bem conhecido poeta e músico José Carlos Capinan, um dos homens do marcante e imortal viramundo tropicalista. Avançando no disco, mais uma faixa chama a atenção, a bonita “Elo Ela”, de Luz Marina. Até que, finalmente, Mãeana 2 fecha com “Reverso Universo (Mãe Ana II)”, tema em que Ana Cláudia Lomelino partilha o canto com a voz funda de Mateus Aleluia Filho. Excelente momento, encerrando da melhor maneira este tão especial álbum, todo ele marcado pelo espírito feminino, apologia suave e belo da maternidade e dos seus encantos e mistérios.
Valeu a pena a espera por este novo trabalho de Mãeana. Ele continua o caminho singular inaugurado em 2015, aprofundando os temas que lhe são tão gratos. Mãe é a pessoa que gera, cria, cuida e protege aqueles que ama. Mãeana, a par de tudo isso, é também a voz que nos embala no caminho da serenidade, da pureza, do encantamento. Quando a ouvimos, as nossas cabeças limpam-se de nuvens e de sombras. E há sempre luz na sua voz e no seu jeito estelar.
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