A delicadeza de An Overview on Phenomenal Nature é transcendental, se a deixarmos entrar pelos nossos poros dentro seremos, garantidamente, pessoas melhores no fim da experiência.
Há quem use o reiki, há quem use uma religião. Há quem faça yoga, há quem corra maratonas. Há quem não saia da sua zona de conforto, há quem coleccione milhas no passaporte. Cada qual arranja a sua maneira de buscar integração no mundo em que vivemos, nenhuma estando, porventura, errada. Cassandra fá-lo através de contar vivências do dia a dia, dando-lhes uma roupagem de actividades maiores que a vida. Cada momento vivido, sejam encontros com estranhos, aulas de condução ou conversas de café, torna-se um monumento perante o qual só nos resta observar e admirar a beleza pela sua simplicidade. Assim dita a “religião cassandrista“: são os pequenos momentos que dão significado às nossas vidas aqui no planeta Terra. Oremos.
An Overview on Phenomenal Nature é o segundo longa duração de Cassandra Jenkins, e chega-nos após uma altura claramente de rotura na sua vida – Cassandra seria a responsável pela primeira parte na tão aguardada tour dos Purple Mountains, em 2019. Aquela que iria começar uns meros três dias após a morte de David Berman. Em “Ambiguous Norway” fala ao de leve em Berman com um simples “You’re gone, you’re everywhere”. Talvez para fugir ao choque dos momentos disruptivos, Cassandra se refugie nos mais mundanos e (aparentemente) incipientes.
Cada canção tem a sua própria história, o seu instante vivenciado, que nos é relatado com uma delicadeza irresistível. Há personagens em catadupa nas músicas, David, Warren, Grey, Darryl, Lola, Peri são algumas das que vão aparecendo por ali, sendo que só uma delas tem direito a uma canção só para si – Hailey Gates, o foco central de “Hailey”.
Em “New Bikini” a mensagem central é muito simples: “the water, it cures everything”. Ou, traduzindo para bom português, nada como um bom banho de água fria para aliviar o espírito. “Ramble”, sétima e última canção do disco (é curtinho, 31 minutos que voam) é puramente instrumental, de imersão total na Natureza, gravada no Central Park. Nem de propósito, uma espécie de oásis no meio da cidade que nunca dorme.
Deixei para o fim por ser, para mim, o auge do disco – “Hard Drive”. O início é qualquer coisa de extraordinário: a entrada que anuncia logo “these are real things that happened” avisa logo ao que vamos, e enquanto Cassandra descreve encontros vários com estranhos, o saxofone de Stuart Bogie ganha espaço, começa um entrelaçar hipnótico com a esplendorosa guitarra de Josh Kaufman e encharca as palavras de melancolia.
Este disco transportou-me para outro deste calibre – Kaputt (2011) de Destroyer , pela envolvência e subtileza com que se nos apresenta. Se bem me conheço, irá ficar a deambular por muitos e bons anos. Fica o alerta de potencial vício.
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