O primeiro e único longa-duração de DJ Rashad colocou o frenético footwork no mapa. Nunca a electrónica de rua soube tão bem.
Antes de declararmos Double Cup como o pináculo da electrónica footwork, convém primeiro explicar o que raio é que isso é. O footworking-dança nasce nas ruas de Chicago, nos anos 90, quando o house extravasa para os bairros sociais com novas coreografias (faz lembrar o breakdance mas cingido a um rápido cirandar dos pés). Numa violência ritualizada, os dançarinos desafiam os seus adversários em lutas de rua; e, para dificultar a vida dos oponentes, os DJs aceleram o tempo e complicam o ritmo. Nasce assim o footwork-música, substituindo a monotonia do house (tum-tum-tum-tum) por uma batida irregular e sincopada; e subindo o tempo até às insanas 160 batidas por minuto. O estilo é artesanal, gravado em samplers da velha guarda. Os samples vocais – cortados em pequenos pedaços e repetidos até ao absurdo – são usados mais como percussão do que como melodia. Os baixos, estremecentes de tão graves, são igualmente desconcertantes. Bem-vindos a um dos géneros de electrónica mais inventivos do século XXI.
É neste ponto que convidamos DJ Rashad a entrar, um dos pioneiros que criou o footwork e o seu mestre indiscutível. Apesar de andar nestas andanças desde sempre, só em 2013 é que ganha reconhecimento internacional, quando o seu primeiro LP é editado pela inglesa Hyperdub. Rashad está então no topo das suas capacidades (produzindo footwork como uma segunda respiração), de maneira que não precisa de livros de regras para nada. Se a tradição pede crueza na produção, Double Cup não tem vergonha de um certo polimento; se pede purismo, Rashad contamina-se orgulhosamente com outros estilos (a soul quente do deep house, os sons aborrachados do acid house, os pratos de choque hiper-activos do trap…), sem receio de comprometer a sua fortíssima identidade.
Um ano depois, Rashad morreria de uma overdose. Partiu deixando um legado incalculável: fundando o footwork; internacionalizando-o; libertando-o, por fim, da mera função de fazer dançar. Perdura agora sob a forma de mito. E de uma obra-prima chamada Double Cup.
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