sábado, 11 de março de 2023

POEMAS CANTADOS DE CAETANO VELOSO


A Rota do Indíviduo

Caetano Veloso

Mera luz que invade
A tarde cinzenta
E algumas folhas
Deitam sobre a estrada
O frio é o agasalho
Que esquenta
O coração gelado
Quando venta
Movendo
A água abandonada

Restos de sonhos
Sobre um novo dia
Amores nos vagões
Vagões nos trilhos
Parece que quem parte
É a ferrovia
Que mesmo não te vendo
Te vigia

Como mãe, como mãe
Que dorme
Olhando os filhos
Com os olhos na estrada
E no mistério solitário
Da penugem
Vê-se a vida correndo
Parada

Como se não
Existisse chegada
na tarde distante
Ferrugem ou nada


A Terceira Margem do Rio

Caetano Veloso

Oco de pau que diz:
Eu sou madeira, beira
Boa, dá vau, triztriz
Risca certeira
Meio a meio o rio ri
Silencioso, sério
Nosso pai não diz, diz:
Risca terceira

Água da palavra
Água calada, pura
Água da palavra
Água de rosa dura
Proa da palavra
Duro silêncio, nosso pai

Margem da palavra
Entre as escuras duas
Margens da palavra
Clareira, luz madura
Rosa da palavra
Puro silêncio, nosso pai

Meio a meio o rio ri
Por entre as árvores da vida
O rio riu, ri
Por sob a risca da canoa
O rio viu, vi
O que ninguém jamais olvida
Ouvi, ouvi, ouvi
A voz das águas

Asa da palavra
Asa parada agora
Casa da palavra
Onde o silêncio mora
Brasa da palavra
A hora clara, nosso pai

Hora da palavra
Quando não se diz nada
Fora da palavra
Quando mais dentro aflora
Tora da palavra
Rio, pau enorme, nosso pai

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