quarta-feira, 1 de março de 2023

Resenha Electric Cafe Álbum de Kraftwerk 1986

 

Resenha

Electric Cafe

Álbum de Kraftwerk

1986

CD/LP

Eu conheço este álbum do quarteto de Düsseldorf desde seu lançamento e sempre gostei dele, mas comparado com as obras posteriores, ele me traz uma inquietação compartilhada por muitos ouvintes da banda. Tecnicamente é estupendo: em sua produção foi usada a tecnologia mais avançada disponível, os temas das canções são interessantes, e a arte da capa e o videoclipe em CGI são icônicos. Então, por que muitos, incluindo os próprios criadores, sentem que algo deu errado?

Eu tinha minhas próprias teorias sobre o assunto; a confirmação definitiva veio na autobiografia de Karl Bartos, "The Sound of the Machine", lançada em julho de 2022. Karl foi para o Kraftwerk um equivalente de George Harrison para os Beatles: um gênio musical que durante anos fora mantido injustamente em segundo plano pelos dois membros fundadores, Ralf Hütter e Florian Schneider. Karl saiu porque a produção da banda havia estagnado e, na opinião dele, isso ocorreu por eles terem perdido sua coesão de propósito artístico. O álbum "Techno Pop / Electric Café" é o documento audível dessa crise.

Tudo começou no final de 1981, quando o Kraftwerk era uma das bandas mais consagradas do planeta após o lançamento de sua indisputada obra-prima "Computer World". A atmosfera no Estúdio Kling Klang era propícia para eles soltarem mais um álbum campeão. Entretanto, as mudanças drásticas que aconteciam então na tecnologia musical - samplers, sintetizadores digitais e a coordenação dos instrumentos via MIDI - significavam que eles teriam que se superar para seguirem sendo reconhecidos como inovadores frente a uma multidão de outros artistas munidos com as mesmas tecnologias. Isso gerou uma distração terrível para a banda, porque causou uma sucessão infinita de reformas no instrumental e sessões de remixes intermináveis. A composição de novas canções ficou para escanteio. 

Em vez de tocar material novo ao vivo e sentir no palco a sua aceitação ou não pelos ouvintes, o grupo passou a mandar mixtapes para a pista de dança. Isso gerou um contexto competitivo que não ajudava em nada na moral dos músicos. Eles acabaram dominados pelo terror de ficarem obsoletos musicalmente. O principal membro, Hütter, recorreu a longuíssimos passeios de bicicleta como forma de escapismo. O segundo mais importante, Schneider, mergulhou numa pesquisa científica de vozes sintetizadas e largou todo o resto. O quarto membro, Wolfgang Flür, passou seus últimos anos na banda montando consoles e outros móveis para o estúdio em vez de tocar qualquer instrumento.

Inicialmente, tudo parecia bem: o single "Tour de France", que seria o precursor do LP, era inovador com seus samples e timbres orquestrais, e também foi um sucesso nas pistas. A ideia original era estender o tema do ciclismo à capa do álbum. Mas as outras composições não se relacionavam com esse tema. Duas delas, "The Telephone Call" e "Sex Object", traziam grande contribuição de Bartos, o número três do grupo. A suíte "Boing Boom Tschak - Techno Pop - Musique Non Stop" era também uma obra autônoma. Efetivamente, o álbum começara a ser produzido com o nome de "Techno Pop" - restaurado em anos recentes - e foi renomeado para "Electric Café" em referência a uma música descartável que foi incluída na última hora. E, pecado dos pecados, não incluiu "Tour de France".

O álbum acabou sendo inteiramente regravado pelo menos duas vezes e remixado incessantemente de 1983 a 1986. Três anos e uma fortuna foram gastos mexendo e remexendo num núcleo de apenas quatro músicas, sem os criadores jamais ficarem satisfeitos ou seguros com o resultado. Para Karl, aquele novo som era muito ligado ao seu próprio momento, diferentemente de algumas composições anteriores do Kraftwerk, como "The Man-Machine" e "Computer World", que nunca envelheceram porque transcenderam suas épocas - e é essa a qualidade que define uma verdadeira obra de arte.

O álbum acabou sendo lançado por pura força do cansaço. A arte digital de Rebecca Allen, que era a crista da onda da vanguarda em 1983, já parecia datada quando finalmente veio a público em 1986. Os arranjos fortemente percussivos são impactantes e nítidos, de uma maneira nunca ouvida antes com o Kraftwerk, mas aquele calor das melodias simpáticas em teclados analógicos tinha dado espaço a uma sisuda orquestra digitalizada que destoava da brincadeira alegre que o grupo fazia sempre com os timbres na fase analógica. 

Em resumo, de tanto medo que teve o Kraftwerk de se tornar apenas mais uma banda pop eletrônica no meio de tantas outras na década de 1980, foi exatamente isso o que aconteceu. O disco seguinte, "The Mix", serviu como uma manifestação de conformismo do grupo com seu novo status, mais comercial e menos ambicioso. E, para o bem e para o mal, foi um sucesso de vendas. O grupo desacelerou totalmente dali em diante, ocupando-se muito mais de manter o seu acervo em dia do que em criar novidades, mas Flür e Bartos reencontraram suas personalidades musicais em carreiras solo e seguiram produzindo. Mas aí já é história para outras resenhas.

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