Resenha
Symmetrie Und Wahnsinn
Álbum de Sankt Otten
2022
CD/LP
Último álbum do Sankt Otten destila o melhor da tradição alemã em música eletrônica
A Alemanha é o lar natural da música eletrônica. E isso pode ser dito não somente por causa de Kraftwerk, Tangerine Dream, Westbam ou festivais que se tornaram lendários e históricos, como o Love Parade. O buraco, na verdade, é bem mais embaixo. Desde os pioneiros do dodecafonismo, como Arnold Schönberg, Anton Webern and Alban Berg, passando ainda por Herbert Eimert e seu estúdio de música eletrônica criado em Colônia para a emissora de rádio pública WDR, além, é claro, do visionário compositor Karlheinz Stockhausen, a elektronische musik é parte indissociável da história cultural alemã dos séculos XX e XXI. Na atualidade, isso se reflete tanto na existência de diversos selos/gravadoras especializados nas diferentes subdivisões do gênero, como Permanent Vacation, Kompakt, Bureau B, Masterminded for Success (só para citar alguns poucos), como também no surgimento de artistas que dão pinta de que essa tradição no país está longe de ser abandonada. Esse é o caso do duo Sankt Otten. Formado no já distante ano de 1998 na cidade de Osnabrück, que fica próxima a Hannover, na Baixa Saxônia, o Sankt Otten consiste em Oliver Klemm (guitarra, baixo e sintetizadores) e Stephan Otten (bateria, sintetizadores e programações). Sua discografia já contabiliza treze álbuns, sendo Symmetrie ünd Wahnsinn (ou “simetria e loucura”, em português) o mais recente, lançado no ano passado em CD, vinil (comum e transparente) e, é claro, em versão digital para plataformas de streaming. Aqui a dupla segue adiante com seu mix de influências: a “Escola de Berlim” de música eletrônica, o krautrock, o ambient, o pós-rock e (às vezes) o trip-hop. Com a ajuda do baterista Dirk Pellmann (que participou de outro interessante álbum eletrônico, Musik Für Selbstfahrende Autos, do Das Original Haseland Orchester, também lançado em 2022), Symmetrie ünd Wahnsinn tem uma ênfase muito forte na atmosfera e nas texturas. O álbum é um grande exemplo da capacidade do Sankt Otten de criar uma música imersiva e instigadora que, na prática, ultrapassa limites de gênero e estilo. O álbum apresenta ao todo oito faixas instrumentais que se desdobram em paisagens sonoras texturizadas meticulosamente elaboradas. Mas a sonoridade não é densa ou saturada. Pelo contrário: o disco se destaca justamente por suas camadas de som cristalinas e pela nitidez na distinção dos timbres. Para aqueles que já estão familiarizados com o cânone da música eletrônica e experimental da Alemanha dos anos 1970, o ouvinte certamente abrirá sorrisos de satisfação ao identificar ecos de Neu!, Tangerine Dream e Klaus Schulze em faixas como “Hymne Der Melancholischen Programmierer” (que mais parece uma homenagem ou tributo à dupla Klaus Dinger / Michael Rother) e "Luftspiegelung Der Sentimentalitäten”. Já o motorik sintetizado de "Angekommen In Der Letzten Reihe” e "Die Ordnung Des Lärms” nos remete às então rudimentares drum machines do Kraftwerk em Autobahn e Radio-Activity, ou em “Watussi”, faixa de abertura do álbum de estreia do Harmonia. Aliás, o disco não deixa dúvidas: Klemm e Otten se assumem como discípulos dessa geração tão prolífica e atualizam/reciclam conceitos e propostas dos seus inspiradores para uma nova audiência. É como se o Sankt Otten estivesse imaginando como seria se Edgar Froese, Hans-Joachim Roedelius e Dieter Möbius executassem as ideias que tiveram há mais de quarenta anos tendo nas mãos a tecnologia disponível nos dias de hoje. Mas é um erro supor, a partir do que foi dito até aqui, que o Sankt Otten apenas reverencia ou ressignifica passado em Symmetrie ünd Wahnsinn. Definitivamente não é esse o caso. Na verdade o disco está longe de soar nostálgico ou datado. Um exemplo muito concreto de sua contemporaneidade é "Sei Symmetrisch Zu Mir”, que, aliás, é um dos momentos de brilho do baterista de Dirk Pellmann. Contemporaneidade aqui, no entanto, não é sinônimo de concessão aos subgêneros de maior popularidade da música eletrônica, que fique bem claro. Significa, na verdade, que o Sankt Otten faz música com sintetizadores (sem abrir mão de instrumentos convencionais) que soe atemporal, mas sem negociar suas raízes e identidade alemãs. Com Symmetrie ünd Wahnsinn, o Sankt Otten propõe ao ouvinte um universo sonoro imersivo que transita por momentos de calmaria e tensão. Trata-se de um álbum que exige atenção e contemplação. É uma experiência sonora reflexiva e evocativa que recompensa mentes abertas com uma jornada emocional única e profundamente gratificante. Afinal, a música eletrônica, diferente do consenso geral, não foi feita apenas para o prazer do corpo.
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