quarta-feira, 22 de março de 2023

Review: Iron Maiden – Senjutsu (2021)

 


O Iron Maiden conseguiu fazer de Senjutsu, seu décimo-sétimo álbum de estúdio, um acontecimento. Uma bem elaborada estratégia online colocou as expectativas nas alturas, que foi atendida com a divulgação dos dois primeiros singles, “The Writing on the Wall” e “Stratego”. O lançamento, no último dia 3 de setembro, causou a comoção de sempre: reações apaixonadas dos fãs e críticas sendo derramadas na mesma proporção.

O fato é que o Iron Maiden conseguiu fazer de Senjutsu um álbum único em sua carreira. Poucos discos da banda soam tão únicos, tão diferentes, tão singulares. Nesse aspecto, o álbum é um ponto fora da curva da discografia dos ingleses assim como The X Factor (1995) e A Matter of Life and Death (2006) também foram em seu próprio tempo. Não há nada igual a esses três discos na carreira do Iron Maiden, e isso por si só já diz muito da qualidade de Senjutsu e do foco puramente musical do trabalho. Sem abrir concessões, a banda gravou o disco que queria gravar.

Produzido novamente por Kevin Shirley com co-produção de Steve Harris, Senjutsu é um álbum duplo com dez músicas inéditas. O sucessor de The Book of Souls (2015) foi gravado mais uma vez no Guillaume Tell Studios, em Paris, e pôs fim ao maior intervalo entre um disco e outro na carreira da banda. A temática japonesa apresentada na capa e no título (que significa Táticas e Estratégias) é abordada em algumas músicas e explorada a fundo no encarte e em toda a concepção gráfica, com o álbum tendo inclusive capas em ambos os lados, uma alusão aos mangás (quadrinhos japoneses), cujo sentido de leitura é de trás para frente.

Ainda que contenha personalidade e característica próprias, Senjutsu soa como o passo natural do Iron Maiden em sua encarnação sexteto, que gradativamente foi inserindo cada vez mais elementos progressivos em sua música (elementos esses que sempre fizeram parte da sonoridade da banda vide canções como “Phantom of the Opera”, “To Tame a Land”, “The Rime of the Ancient Mariner”, “Alexander the Great” e tantas outras, isso sem falar do álbum Seventh Son of a Seventh Son, lançado em 1988 e que explorou as influências prog do então quinteto de forma mais profunda). Em Senjutsu, essa característica vem acompanhada por uma aura sombria e por uma variedade maior de ingredientes, com a banda experimentando sonoridades até então inéditas.

O álbum abre com a faixa-título, que é introduzida por batidas marciais inspiradas nos taikôs, os tradicionais tambores japoneses. Com andamento cadenciado, conta com uma letra e um arranjo que preparam o ouvinte para uma grande batalha que está prestes a começar. Uma canção densa e sombria, que dá início ao disco de forma grandiosa.

“Stratego” é uma das músicas mais empolgantes lançadas pelo Iron Maiden desde o retorno de Bruce Dickinson e Adrian Smith. Com o típico andamento cavalgado construído pela parceria espetacular entre Steve Harris e Nicko McBrain, tem melodias tipicamente Maiden e uma grande performance vocal de Dickinson, com direito a uma ponte absolutamente arrepiante antes do refrão. O clima bélico segue aqui, com a letra expressando o sentimento dos soldados em uma batalha.

O primeiro single, “The Writing on the Wall”, ganhou um vídeo sensacional e traz o Iron Maiden explorando influências southern rock, um terreno até então inédito na trajetória da banda. A introdução acústica e o andamento mais cadenciado enfatizam todas as nuances da música, que é ótima, conta com um excelente refrão e ótimos solos, principalmente o central, feito por Adrian Smith. Uma das melhores do disco e cuja letra, escrita por Bruce Dickinson, fala sobre a decadência do mundo atual em comparação ao apogeu do passado.

As surpresas continuam com “Lost in a Lost World”, que começa com vocais atmosféricos em uma bela introdução que remete ao lado mais psicodélico do progressivo clássico. A canção cai então em um andamento quebrado bem Maiden, com destaque para a linha vocal cativante de Bruce. “Days of Future Past” vem a seguir e é a mais curta do disco, com pouco mais de quatro minutos. A letra traz uma abordagem religiosa e parece falar sobre Jesus Cristo e sua relação com nós, humanos, que vagamos perdidos pelo mundo à espera do julgamento final.

O CD 1 se encerra com “The Time Machine”, um épico de mais de sete minutos onde o destaque imediato são as linhas vocais quebradas de Bruce, com o vocalista narrando as aventuras de um viajante do tempo. A parte central traz melodias de guitarra que exploram influências orientais e remetem à canção “Dance of Death”, do álbum homônimo lançado em 2003. Uma quebra de andamento a partir dos quatro minutos inverte o jogo e introduz longos solos dos três guitarristas. Uma música excelente e um dos ápices do disco.

“Darkest Hour” abre o segundo CD com uma dramaticidade enorme. A letra, que é emocionante, fala sobre Winston Churchill e o legado do lendário primeiro-ministro inglês, que foi um estrategista brilhante e um dos principais responsáveis pela vitória das Forças Aliadas na Segunda Guerra Mundial. Musicalmente trata-se de uma balada densa, extremamente climática e com solos belíssimos, que introduz os três épicos de mais de dez minutos que vêm na sequência.

A parte final de Senjutsu é dedicada a três canções compostas exclusivamente por Steve Harris, baixista, líder e alma do Iron Maiden. “Death of the Celts” é majestosa e traz solos inspirados na música celta que exploram a mesma tradição do Thin Lizzy, uma das maiores influências do Iron Maiden. “The Parchment” é a mais longa do disco e conta com um ar misterioso e um grandioso clima oriental, além de um andamento crescente claramente influenciado pela música erudita. Essa faixa explora de maneira extensiva o uso das três guitarras, com extensos e inspirados solos de Adrian Smith, Dave Murray e Janick Gers.

“Hell on Earth” encerra o álbum de forma sublime. Uma composição com as doses generosas de melodia que sempre marcaram o Iron Maiden, aqui devidamente turbinadas por um ar épico imponente. As guitarras brilham de forma intensa, o baixo de Steve e a bateria de Nicko soam como um só instrumento enquanto Bruce personifica uma espécie de maestro de uma grande sinfonia heavy metal. Um final absolutamente emocionante para um disco incrível!

É interessante notar que as três músicas que fecham o álbum, todas compostas por Steve Harris e todas superando os dez minutos de duração, possuem letras que falam de temas religiosos e que, em certos aspectos, parecem preces proferidas por Bruce Dickinson, o que dá um ar que beira o sagrado para o trio final do disco.

Senjutsu é mais um álbum excelente de uma banda que conta com inúmeros trabalhos excelentes em sua carreira. É esse nível de qualidade perene que faz do Iron Maiden uma banda sem igual, uma entidade única não só no universo do metal mas também no mundo da música.

Um disco super maduro e com uma sonoridade adulta, que contrasta com a imaturidade e a infantilidade de uma parcela dos fãs, que não conseguem absorver composições mais elaboradas e fora da caixa e reagem xingando muito nas redes sociais pelo fato do Iron Maiden não fazer um álbum como eles pensam que deveria ser feito.

Up the Irons, mais do que nunca!


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