quinta-feira, 9 de março de 2023

The Police – Outlandos D’Amour (1978)


 

O álbum de estreia dos Police, Outlandos D’Amour, faz uma síntese elegante entre o calor do reggae e a urgência do punk.

Os Police formaram-se em Londres, em 1977, quando o terramoto do punk varria a velha Inglaterra. O cabecilha fora o baterista Stewart Copeland, que não obstante a sua formação musical erudita, e a passagem pelo prog rock, quis fundar uma banda punk. Na voz e no baixo, outro intruso, desta vez com um background no jazz de fusão: um tal de Sting. Só o guitarrista Henry Padovani honrava as credenciais de rua do punk, sabendo menos acordes do que o próprio Johnny Ramone.

Mas Sting achava a sua pobreza técnica limitativa para as canções que queria escrever, convidando Andy Summers para o seu lugar. Andy ainda tinha um currículo mais embaraçoso para uma banda de new wave: dez anos mais velho do que os seus companheiros, fez parte dos Animals no final dos anos 60 (hippie!) e estudou guitarra clássica na universidade (tecnocrata!). Este é o segredo dos Police: três músicos virtuosos e sofisticados, fingindo que só sabem tocar três acordes.

O seu primeiro disco, Outlandos D’Amour, é o que vai mais longe no namoro com a energia do punk: mais cru, espontâneo e urgente do que as rodelas seguintes. O tema de abertura, o vibrante “Next to You”, passaria mesmo por punk pop à Buzzcocks, não fora o solo slide de Andy Summers denunciar as suas origens classic rock. Já “Truth Hits Everybody” é punk da bayer, levando até ao fim a sua simplicidade radical.

O grande legado dos Police está, porém, noutro sítio: na sua elegante fusão da música jamaicana com o punk rock. Não sendo pioneiros deste casamento – os Clash gravaram “Police and Thieves” um ano antes -, foram, ainda assim, dos primeiros a lá chegar, precedendo o próprio ska da 2 Tone. Mais: foram os Police que criaram a fórmula “verso reggae descontraído/refrão apunkalhado repetindo palavras em loop”, que explica a eficácia dos clássicos “So Lonely”, “Can’t Stand Losing You” e “Roxanne”. O truque foi repetido até à náusea – até os nossos Jáfu’mega não resistiram à tentação – mas em 1978 soava fresquíssimo e original.

Não se pense, porém, que a força de Outlandos D’Amour se esgota nos seus três singles demolidores. Os acordes descendentes de “Hole in My Life” – à “Sunday Afternoon” dos Kinks – são uma delícia; a roqueira “Peanuts” transborda de vitalidade new wave; a guitarra à Byrds de “Born in the 50’s” pode ser old wave mas é igualmente irresistível.

A única canção irritante de Outlandos D’Amour é “Be My Girl – Sally”, cuja promissora frescura pop inicial é traída por um tépido e anticlimático interlúdio spoken word. O facto de a ideia – uma declaração de amor a uma boneca insuflável – ter sido roubada descaradamente aos Roxy Music (a incrível “In Every Dream Home a Heartache”) só agrava a inconsequência do tema.

Como que procurando redimir o passo em falso anterior, o disco acaba com o delicioso reggae experimental de “Masoko Tanga”, monótono na harmonia (apenas um acorde) mas de uma incrível riqueza polirrítmica, de travo africano, prenunciando as posteriores explorações de Sting nas latitudes da world music.

Mas nem só de grandes canções vive Outlandos D’Amour; vive também do bom gosto dos arranjos, da sua depuração, da sensação saborosa do espaço por preencher. Só o absolutamente essencial tem lugar e nada mais: o baixo tremor de terra de tão grave e destacado, o eco elegante da guitarra (desdobrando os acordes em fragmentos coloridos), a voz inconfundível (tão luminosa como enervante), a bateria sincopada e maníaca (quase sobre-humana).

Mais tarde, os Police fariam discos mais complexos e sofisticados, mas nunca conseguiriam igualar Outlandos D’Amour em genica apunkalhada e consistência criativa. Não nos interessa a discussão se os Police eram verdadeiros punks ou apenas turistas de conveniência. A garra e a urgência estão lá. As canções falam por si.


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