Drunk Tank Pink é uma catarse coletiva ao som de um álbum Rock como deve ser, barulhento e rápido, não deixando de ser intrincado e bem produzido, e, sobretudo, sem pedir desculpa a ninguém por se mostrar frágil.
Depois de um surpreendente disco de estreia que lhes valeu elogios rasgados das mais conceituadas revistas da especialidade, depois de longos meses em tour com concertos um pouco por todo o mundo, depois de atingido o estádio de hottest new band, muitas vezes apelidada de herdeira de um rock que estava, para muitos, morto há muito… O que fazer a seguir?
Drunk Tank Pink é, de certa forma, a resposta. O segundo trabalho dos ingleses Shame, depois de Songs of Praise de 2018, lançado em janeiro deste ano, conta com a produção de James Ford que tem no currículo nomes como Arctic Monkeys e Foals. O título faz referência a uma cor (aquela que encontramos no grafismo da capa) que tem supostas propriedades calmantes, sendo por isso aplicada em estabelecimentos prisionais ou instituições psiquiátricas. Fica por esclarecer se esta terá sido eficaz a aplacar as ansiedades existenciais com que se viram confrontados os recém-regressados a casa membros dos Shame ou se foram antes o próprio álbum e o respetivo processo de produção que fizeram as vezes de instrumento calmante e catártico.
Numa primeira audição, Drunk Tank Pink tem todos os elementos que nos fizeram gostar de Shame quando os ouvimos pela primeira vez: uma bateria bem marcada, guitarras incansáveis e Charlie Steen a cuspir versos zangados com um sotaque cerrado. É, portanto, claramente, um disco de Shame. No entanto, uma audição mais cuidada revelará rapidamente que não estamos perante uma tentativa de repetição da fórmula do álbum de estreia, tentação comum. O rock simples e direto do primeiro álbum ganha aqui mais corpo, com novas camadas e usos mais inventivos dos instrumentos de sempre, demostrando um crescimento técnico, a par do crescimento pessoal, conseguido durante o tempo que passaram a promover Songs of Praise. Ao amadurecimento musical junta-se uma mudança no estado de espírito. Charlie Steen fala-nos agora da inquietação e da falta de rumo que experimentam, com certeza, todos os jovens com vinte e poucos anos (esta vossa escriba pode confirmar), sentimentos ainda mais exacerbados quando se volta à Terra depois de um high como o que a banda experimentou em 2018 e 2019. Em “Nigel Hitter”, que começa ligeira e quase dançável, para acabar num lamento angustiado, versos como “Will this day ever end? I need a new beginning” ou “I’m throwing everything at this wall, and hoping something sticks” ilustram bem a ansiedade de quem se vê confrontado pela primeira vez com o vazio de propósito que é o intervalo entre a juventude e a idade adulta. Ainda na primeira metade do disco, outras faixas como “Alphabet”, o primeiro single de apresentação, “March Day” ou “Water in the Well” contrastam o som bem-disposto e implacavelmente rápido, com Charlie Steen a cantar em tom de desafio jocoso (bangers como sabemos que os Shame sabem fazer bem), com estes mesmos temas: aborrecimento, apatia, overthinking e saúde mental.
“Snow Day” abre uma segunda parte mais pesada e menos saltitante do álbum. Aqui as faixas fundem-se umas nas outras num conjunto mais caótico, barulhento e urgente. Destaca-se “Human, For a Minute”, um interlúdio mais calmo e talvez a faixa em que as fragilidades de Steen estão mais expostas (“And I’m half the man I should be, can’t you see?”). Em “6/1” somos guiados por guitarras e bateria que aceleram até um refrão onde mais uma vez se exorcizam demónios pessoais (“I represent everything that I hate, yet I’m the person I always dreamt I could become” ou “And I hate myself but I love myself”). O álbum fecha com “Station Wagon”, reflexão épica de quase 7 minutos em que, mais a falar do que a cantar, Steen conclui num crescendo de ruído que há coisas que não podemos controlar já que “Happiness is only a habit”, mas também, “nobody said this was gonna be easy”.
Drunk Tank Pink herda do primeiro álbum dos Shame não só as fundações musicais sobre as quais constrói, mas também a experiência do rescaldo da fama que este lhes proporcionou. O interessante é que a inquietação dos jovens Shame, isolados em casa pela primeira vez em dois anos, confrontados com quem são e com quem gostariam de ser, acaba por ressoar com as experiências de grande parte do mundo que teve também de encontrar a paz possível com a sua própria companhia, mais ou menos ao mesmo tempo que saía este disco. Temos então, se quisermos, uma catarse coletiva ao som de um álbum Rock como deve ser, barulhento e rápido não deixando de ser intrincado e bem produzido, e, sobretudo, sem pedir desculpa a ninguém por se mostrar frágil, numa altura em que mais do que nunca se fala da importância da saúde mental.
Sem comentários:
Enviar um comentário