quinta-feira, 6 de abril de 2023

Anderson .Paak – Malibu (2016)

 

O segundo disco de Anderson .Paak é quase uma história da música negra americana. A sua voz rouca cheia de grão tem tanto de dor como de luz.

2016 foi um ano forte para o novo R&B, albergando pérolas como BlondeA Seat at the Table e Malibu. Se Frank Ocean é mais inventivo e Solange mais experimental, Anderson .Paak esmaga os seus comparsas na voz: mais expressiva, com uma rouquidão doce e um balanço gingão imediatamente reconhecíveis.

Se no seu âmago Malibu é um disco de soul contemporâneo, o amor de .Paak a toda a música negra americana leva-o a integrar o jazz, o funk e o hip-hop na sua linguagem, num equilíbrio feliz entre futuro e tradição. A homenagem aos pais fundadores é evidente, como as interjeições rítmicas à James Brown, mas a sua produção pós-To Pimp a Butterfly sabe inequivocamente a século XXI.

Há muito que o R&B e o hip-hop são inseparáveis. Porém, .Paak leva ao limite esta união: o seu canto é tão sincopado, e o seu rap tão melódico, que nunca percebemos muito bem se está a cantar ou a rappar.

Há um elo a unir todos os géneros que Anderson convoca: o groove. O baixo saltitante, destacado na mistura, é um dos culpados. Que o diga “Come Down”, cuja irrequieta linha de baixo põe estátuas de chumbo a dançar.

Anderson .Paak teve uma vida sofrida. O seu pai, bêbado e junkie, foi preso por agressão à mãe (.Paak, com 7 anos, assistiu a tudo). Uma década mais tarde, foi a vez da sua mãe ser presa (por um crime de colarinho branco). Anderson trabalhou no duro numa plantação para sustentar o filho e evitar a deportação da mulher, mas é despedido, ficando sem casa, pernoitando onde calhava com um filho nos braços. Se a voz de .Paak tem uma mágoa natural, tudo fica mais comovente quando aflora estes temas. Porém, Anderson nunca cai no miserabilismo, bem pelo contrário: por cada porção de dor há sempre outra de esperança e de gratidão. Não é à toa que o disco tem nome de praia, a sua música é sempre quente e soalheira. A grandeza de Malibu está nessa complexidade emocional. Nunca sabemos se dança à chuva, se chora ao sol.

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