domingo, 16 de abril de 2023

James Blake – James Blake (2011)


 

O álbum de estreia de James Blake trouxe algo que não se ouvia há muito tempo na pop: uma refrescante originalidade.

James Blake começou pela electrónica pura, estávamos então em 2010: três EPs muito aclamados pela crítica, com uma estética próxima do dubstep. Porém, quando no ano seguinte se estreia em LP, é já um novo Blake que se apresenta: com a voz e as canções no centro, passando a electrónica à condição de ornamento (ou de ácido que corrói as convenções, se preferirem). Os puritanos sentem-se atraiçoados, tratando a sua aproximação à pop (por mais experimental que ela seja) como uma espécie de doença venérea. Nós, putas orgulhosas, abrimos uma garrafa de champanhe, porque sabemos que é sempre na mais licenciosa promiscuidade que se faz a melhor música.

Na sua essência, James Blake é um disco de soul, repassado de espiritualidade gospel (coisa curiosa num londrino vindo de boas famílias mas a música é assim, “sem lenço, nem documento”). Porém, a roupagem é radicalmente futurista; nunca antes ouvíramos nada assim! O principal instrumento de Blake é o silêncio (o que é mais fácil quando tudo é gravado no sossego do seu quarto). Depois a lentidão dá uma perninha: exasperante, dubstep para velórios. A voz é frágil e doída, parecendo um robô triste quando encharcada em auto-tune e um robô avariado quando a velocidade é manipulada. O piano tem uma elegância clássica e o órgão evoca o calor de uma missa negra no Alabama. As canções espalham o charme do inacabado, sabem a esboço e sabem bem. A melancolia é difusa, nunca chegamos a perceber porque é que o miúdo anda triste (apenas intuímos um vago tédio existencial).

A electrónica cubista faz o resto, deformando, destruindo, desconstruindo. O que começa etéreo e ordenado pode muito bem acabar nebuloso e dissonante, com ruído branco, “saltos na agulha” e demais excentricidades. Veja-se o caso da bonita versão do clássico da Feist “Limit to Your Love”: cristalina no piano inicial mas de digestão difícil quando entra o baixo-dubstep-tremor-de-terra (chegaram a cair chávenas do meu guarda-louças!).

É um disco do nosso tempo porque tenta desesperadamente fugir dele. Onde a contemporaneidade é hiper-rápida e superficial, com tudo a acontecer ao mesmo tempo, James Blake é vagaroso e introspectivo, convidando a uma degustação indolente. À primeira audição sentimos tédio, à quinta um enlevo espiritual. Abençoado seja o ano de 2012. Há muito tempo que não ouvíamos uma pop tão fresca e original.


Sem comentários:

Enviar um comentário

Destaque

The Police - 1979-12-03 - Paris, France

  Esta é uma cópia antiga de um vídeo de concerto que foi transmitido pelo canal francês Antenne 2 em dezembro de 1979. O programa chamava-s...