quarta-feira, 26 de abril de 2023

Micachu & The Shapes – Jewellery (2009)


Ao princípio tudo soa cacafónico mas à terceira audição de Jewellery (de Micachu & the Shapes) já estamos a cantarolar as melodias no banho.

É pop? É experimental? É Micachu. O álbum de estreia da nossa londrina favorita faz-se nesse limbo: melodias viciantes atoladas no mais roufenho lo-fi. Micachu (Mica Levi no cartão de cidadão) canta e toca guitarra com um olímpico desleixo, uma vingança contra a sua formação musical erudita. A sua voz de maria rapaz a subir às árvores é despenteada e blasé (ao pé dela a Courtney Barnett é a Beyoncé). A guitarra tem um som cavo que arranha, como se a madeira tivesse estalado e as cordas fossem de arame enferrujado (há mesmo quem diga que se pode apanhar tétano só de ouvir Jewellery). A electrónica retro vai no sentido oposto, sons coloridos e imateriais que evocam os vídeo-jogos dos anos 80. A bateria, improvisada com ferro-velho, tem um vigor rítmico contagiante. Às vezes, as batidas são feitas no computador, loops desconcertantes de grime artesanal. Numa volúpia vanguardista à Harry Partch, tudo é passível de ser um instrumento: aspiradores, garrafas, o que estiver à mão. Ao princípio tudo soa cacafónico mas à terceira audição já estamos a cantarolar as melodias no banho. As canções são breves, esboços maravilhosamente incompletos. A música é louca e engraçada, como um gato verde a voar só porque sim. Num milénio viciado no passado, Jewellery é uma pedra rara e preciosa. Sabe a fresco. Sabe a novo. Sabe bem.


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