quarta-feira, 26 de abril de 2023

Adrianne Lenker – songs (2020)

De uma assentada Lenker lança dois discos, um dois em um que, mais uma vez, têm de ser escutados e degustados como iguaria que são.

Adrianne Lenker simplesmente não sabe parar. Depois de em 2019 ter lançado dois discos com a sua banda Big Thief, ambos a constar nas listas de melhores do ano (U.F.O.F. e Two Hands) eis que em 2020 nos faz chegar mais dois discos em nome próprio, um de canções cantadas e outro constituído por duas peças puramente instrumentais.

songs soa mesmo ao que é – um álbum gravado em confinamento numa cabana perdida nos confins dos Estados Unidos. Foi no interior do Massachussets que Lenker se refugiou após o cancelamento da tour na Europa em que os Big Thief se encontravam aquando do aparecimento da pandemia. Em cima disso, a sua relação tinha terminado recentemente e o período de isolamento encaixou como uma luva no que pretendia naquela altura da sua vida. À semelhança de For Emma, Forever Ago também o objectivo não era de escrever novas canções, mas há lá agora melhor forma de carpir mágoas, pelo que foi mesmo ali que a música que estava dentro de si começou a emergir instantaneamente e em catadupa. Daí à chamada para que o engenheiro de som Phil Weinrobe fosse até lá gravar foi um passinho e foi assim que se criou songs e instrumentals, Lenker despida de artifícios, a conquistar-nos a cada palavra sussurrada, a cada roçar de corda no braço da sua guitarra acústica.

No arranque do álbum, em “two reverse” as palavras são claras como água: “Is it a crime to say / I still need you?”. No primeiro single a ser lançado do álbum, “anything”, o sentimento é o mesmo: “I don’t wanna talk about anything / I wanna kiss, kiss your eyes again”. O coração partido de Lenker é mesmo a nota dominante de songs, fazendo deste o seu álbum mais pessoal. Lenker recorre com frequência à criação de figuras femininas várias nas suas canções, colocando todas as histórias que nos quer contar na boca de outrem, mas aqui é mesmo ela a reportar o que lhe vai nas entranhas, sem medos, como que a expurgar todos os momentos vividos e que ficam a esvoaçar na cabeça em período pós-ruptura.

A tonalidade não foge muito ao seu registo habitual, mas Lenker é claramente daqueles casos em que mais do mesmo é exactamente o que queremos. Paira o fantasma de Joni Mitchell sobre tudo o que aqui é feito de uma forma tão visceral que é impossível não entrarmos no seu cobertor e com ela participarmos do exorcismo a decorrer. “zombie girl” é mais um dos momentos altos do disco, tão sublime no dedilhar das cordas como nas palavras que vão entrando a descrever um sonho tão vívido que parece que continua após acordar, um sonho que a realidade faz desaparecer a pouco e pouco, desfazendo-se na memória.

Uma maravilha de disco.


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