sábado, 15 de abril de 2023

Paul McCartney – McCartney II (1980)

 

Corria o ano de 1980. Mesmo antes da dissolução dos Wings, Paul McCartney virou-se para o experimentalismo e sintetizadores. Gravado totalmente em casa, era McCartney II.

Na altura considerado pouco interessante e relevante pela crítica, o álbum ascendeu a um estatuto de culto ao ser um dos pioneiros do som pop dos anos 80. McCartney II arranca logo com “Coming Up”, uma canção funky que chegou a número dois na tabela de singles do Reino Unido e conta com um divertido vídeo onde Macca interpreta todos os papéis. Além disso, Lennon, que estava finalmente a encontrar uma relação competitiva e menos ácida com Paul, chegou a considerar esta “uma canção bem feita”. Há quem diga também que foi a canção que levou John a gravar o seu último disco, Double Fantasy.

A primeira experiência criativa de McCartney, em 1970, em pleno apogeu da fase final dos Beatles, encontra novamente um espaço com a desintegração dos Wings, projecto que Paul abraçou no final dos Fab Four. Desta vez rodeado de sintetizadores e uma mesa Studer de 16 canais, Macca refugia-se na sua quinta e constrói um álbum divertido e com espaço para várias experiências. Se na altura foi apenas um escape ou algo já planeado fica por saber. O disco é estranho e como maior defeito tem um alinhamento que varia demais em estilo. A oscilar entre o experimentalismo e canções mais tradicionais, o alinhamento é inconsistente em ritmo e tende a entrelaçar canções de formas estranhas. Mas fundamentalmente, se no primeiro trabalho a solo Paul era confessional, quase em modo unplugged, em 1980 é trabalhado e afasta-se do rock dos Wings. O segundo tema, “Temporary Secretary”, na altura visto como uma canção menor e algo irritante, ganha estatuto com o tempo, com os seus sons sequenciados e a voz anasalada para parecer robótica.

Em “On The Way”, os blues misturam-se com os ecos na voz de McCartney. “Já Waterfalls”, que inspira também o sucesso das TLC nos anos 90 (a sério!) é melodicamente das mais fortes do conjunto de 11 canções da edição original. O refrão com os overdubs de voz leva-nos obrigatoriamente a fazer comparações com canções de Abbey Road mas suportada pelas camadas subtis de sintetizadores, poderia ser um bom cover para James Blake. O regresso às origens que “On The Way” já revelava volta em “Nobody Knows”, uma divertida canção ao estilo rock ‘n roll dos anos 50, que facilmente tinha sido tocada por uns jovens de Liverpool no Cavern Club, não tivesse ela sido criada uns 30 anos depois. As frases soltas na canção dão a ideia de um Little Richard, e sem dúvida que espelham a diversão de McCartney em criá-la.

McCartney em estúdio
McCartney reza aos deuses dos sintetizadores.

O instrumental “Front Parlour” é outra daquelas que puxa pelo som electrónico de tal forma que não seria inusitado alguém achar que tinha sido feita recentemente. Meio música de videojogo meio new-wave, é uma forte candidata a inspirar uma multitude de músicos que davam os primeiros passos.

“Summer’s Day Song” volta a demonstrar os problemas de coerência no alinhamento do disco. Se a anterior era completamente instrumental e nova, esta é lenta e contemplativa, com os sintetizadores a ocuparem um papel de alcatifa sonora e sons de instrumentos de sopro. Logo em seguida, “Frozen Jap” regressa ao new-wave lo-fi com toques também de Krautrock. A melodia com toques orientais é novamente um instrumental com um baixo tocado em sintetizadores que ficaria bem em qualquer canção de uns Human League.

E se já tivemos blues e electrónica, tudo se mistura em “Bogey Music”, onde os ecos imperam e o som jazzy está algures entre os anos 30 e o Espaço 1999. “Darkroom” volta à onda de “Coming Up” e da new wave. Perdido nas experiências, Paul McCartney é o produtor de quarto original, na altura graças à hipótese de ter equipamento e carreira para tal. “Darkroom” tem risos, mudanças de ritmo e é uma das mais interessantes canções do disco. É discutido se este disco preconizou o som pop dos 80, porque claro que McCartney conhece os novos músicos e chega a citar a atitude louca dos Talking Heads mas definitivamente antecede o músico de quarto dos anos 2000, perdido nas suas músicas, experiências e brincadeiras, sem qualquer edição ou pressão de editoras para apresentar um trabalho coerente. Só por isso merece uma audição, para pôr em perspectiva o processo criativo e carreira de um dos mais conhecidos músicos da história.

“One of These Days” é outra canção completamente diferente, que ficará sempre bem em qualquer disco de Paul McCartney, uma composição sem floreados demais e que pode sair em qualquer parte da carreira sem destoar. Termina o disco como quem diz, depois desta loucura toda, continuo a ser o mesmo McCartney capaz de fazer músicas brilhantes. Como sempre.


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