sexta-feira, 14 de abril de 2023

Resenha Outro Lado Álbum de Violeta de Outono 2022

 

Resenha

Outro Lado

Álbum de Violeta de Outono

2022

CD/LP

Estreando em disco em 1986, quando lançou pelo selo da loja Wop Bop um EP homônimo que se tornou um dos discos independentes mais vendidos no Brasil em todos os tempos (foram respeitosas 10 mil cópias), a banda Violeta de Outono, comandada pelo guitarrista e vocalista Fábio Golfetti, fazia parte do que poderia ser considerado um segundo ou terceiro escalão do chamado “BRock 80”, que era integrado por grupos considerados alternativos quando comparados com Paralamas do Sucesso ou Titãs: Mercenárias, 365, O Último Número, Nau, Fellini, Varsóvia, Divergência Socialista, entre tantos outros. Todavia, o Violeta (que surgiu em São Paulo e foi formado originalmente por ex-integrantes do Ultimato e do Zero) se diferenciou da maioria por não ter tido grandes pausas em sua carreira e por ter lançado, até aqui, dez discos de estúdio (dois EPs e oito albums), três ao vivo (com um quarto a caminho) e um CD de tributo (homenageando Syd Barrett), todos ainda em catálogo em mídia física.

Por causa dessa atitude de sempre olhar para frente, causou certa estranheza quando, em 2017, Golfetti colocou na geladeira seus companheiros da formação mais recente do Violeta de Outono, o baixista Gabriel Costa, o baterista José Dinola e o tecladista Fernando Cardoso, para reunir o power trio original, ao lado de Cláudio Souza (bateria) e Ângelo Pastorello (baixo), e fazer shows celebrando o aniversário de 30 anos do primeiro LP, editado originalmente pelo subselo Plug, da RCA. Como era de se esperar, a reunião gerou um registro ao vivo, o (excelente) disco Dia Eterno, de 2020. 

Se por um lado a iniciativa fez a alegria dos fãs mais antigos, por outro deixou a impressão de que o Violeta de Outono tinha dado um passo atrás ao se render a uma já bem manjada estratégia utilizada por inúmeras bandas veteranas, no Brasil e no mundo, para conseguir capturar uma nova audiência que não tinha visto seus artistas favoritos em seu período áureo e, é claro, para ouvir o tilintar da caixa registradora. Mas no caso do Violeta, a coisa foi um pouquinho mais além: Golfetti, Pastorello e Souza lançaram,  no ano passado, o que foi anunciado como sendo “um novo álbum de estúdio”, mas que, na verdade, não era tão novo assim.

Outro Lado, o tal do novo disco de estúdio da formação original do Violeta de Outono que foi para o mercado em outubro de 2022, nada mais é do que um compilado de faixas escritas entre 1992 e 2002 e já lançadas em outros CDs da banda, mas que foram regravadas com o intuito de que finalmente soassem como tinham sido inicialmente imaginadas. A maior parte do repertório foi pinçado do disco Mulher na Montanha, de 1999, que na verdade era um álbum de demos acrescido de três músicas que tinham sido compostas e registradas para saírem como um EP independente. Outras quatro são novas versões, com novos arranjos, de canções do disco Ilhas, de 2005. A única música que não pertence a nenhuma das duas levas é “Algum Lugar”. O Violeta de Outono ficou conhecido nos anos oitenta por misturar o rock psicodélico do final da década de 1960 (os Beatles de Revolver e Sgt. Pepper e o Pink Floyd da fase Syd Barrett) com o pós-punk de sua época (Echo & The Bunnymen, Durutti Column). Isso fez com que o trio conquistasse a admiração de plateias de diferentes tribos: punks, dark/góticos, neohippies e até mesmo fãs de rock progressivo. Mas, ao contrário do esperado, Outro Lado não é um retorno à essa proposta que os tornou famosos. Sim, aqui as referências à chamada “Cena de Canterbury” e ao jazz rock, principais influências dos discos da fase mais recente do Violeta, ficaram de fora, o que favoreceu uma abordagem menos intrincada e mais direta (canções curtas, compassos simples); mas o aceno ao pós-punk ficou definitivamente para trás. O que restou foi o lado sessentista da banda. Isso também poderia ser considerado um retrocesso junto à decisão de se lançar algo que, na prática, ja havia sido lançado. Entretanto, Outro Lado é um disco tão bom que, quando ele termina, você não somente abstrai por completo sua falta de senso de propósito, como também fica se perguntando (indignado) por que ele acaba tão rápido. O álbum abre com “Numa Pessoa Só”, que na verdade é uma novíssima versão para “Blues”, do CD Ilhas. A letra manteve-se fiel à da primeira versão, mas a abordagem musical é completamente distinta. Aqui ela ela soa como se o Violeta estivesse tentando resgatar uma hipotética simplicidade existente nas primeiras versões que, com o tempo, teria se perdido. A conjunto de faixas que haviam aparecido primeiramente como demos e ensaios em Mulher na Montanha - “Espelhos Planos”, “Outro Lado”, “Lírio de Vidro”, “Mulher na Montanha” e “Total Silêncio” - mostram que, afinal, não foi uma decisão equivocada regravá-las. Embora o trio não tenha mexido nos arranjos dessas músicas, aqui podemos afirmar que elas realmente adquiriram uma cara definitiva. O som delas ficou mais “cheio”, com mais reverb. E faltava justamente essa amplitude nas gravações já conhecidas. Já “Estarei Com Você” - outra faixa de Ilhas que, originalmente, se chamava “Mahavishnu” - teve muito pouco do arranjo original alterado. Neste caso, o sintetizador foi subtraído e a bateria soa mais pesada, com mais punch. A versão que se conhecia até então contou com Gregor Isidro nas baquetas, que por sua vez havia optado por menos compressão no som do seu instrumento quando da gravação de Ilhas. “Através das Estrelas” também conservou boa parte dos elementos presentes em sua primeira versão, que se chamava tão somente “Estrelas”. Aliás, talvez essa tenha sido uma das faixas menos simplificadas dentre as da leva do Ilhas. A faixa que provavelmente suscitará dúvidas no ouvinte é “Júpiter”. Ela é um dos pontos altos tanto de Ilhas quanto deste Outro Lado, mesmo que com arranjos diferentes. Quiçá “Júpiter” seja a melhor canção do Violeta desde seus tempos de glória na década de oitenta e isso talvez explique o por que ela soa tão maravilhosamente bem em ambas versões. Mas a regravação parece mais orgânica e visceral. Aliás, essa é uma qualidade predominante em todo Outro Lado. Nesse aspecto, ele talvez seja o disco que mais se aproxima, em termos de sonoridade, do vibrante álbum de estreia da banda: o CD nos transmite aquela sensação de disco feito à moda antiga, com o repertório todo pronto e já experimentado nos palcos sendo gravado praticamente ao vivo no estúdio, sem recursos digitais e com pouquíssimos overdubs acrescidos. O leitor deve ter percebido que cheguei ao final da resenha passando pano para a atual falta de originalidade do Violeta de Outono, que, como zilhões de bandas veteranas pelo mundo afora, não resistiu à tentação de prosseguir estrada adiante como se estivesse dirigindo com os olhos fixados no retrovisor. Ok, faz parte do jogo, isso é o music business e mesmo as bandas alternativas não estão totalmente fora ou à margem dele. Mas no caso específico do Violeta, uma explicação possível para esse movimento em marcha-a-ré é que o tempo para se dedicar ao processo criativo talvez esteja ficando cada vez mais escasso, tendo em vista que Fábio Golfetti agora é integrante fixo de outro grupo das antigas, o Gong (fundado em 1967 pelo falecido guitarrista australiano Daevid Allen), com quem ele tem se apresentado pela Europa regularmente. Só nos resta ficar na torcida para que o Violeta de Outono não fique tanto tempo em segundo plano e que volte a nos brindar com material totalmente inédito.


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