Contudo, apesar de todo o sucesso, os Paralamas no fundo se mostravam inquietos, um tanto quanto incomodados. Percebiam que toda a estética new wave que predominava no cenário roqueiro nacional naquele momento, e no qual também estavam inseridos, estaria se esgotando. Ao invés do som “palatável” da new wave dos dois primeiros álbuns, o grupo buscava apostar em algo diferente para o próximo trabalho. O vocalista e guitarrista Herbert Vianna sentia um profundo vazio criativo para compor, queria ir além dos temas pessoais e adolescentes. Mas a agenda interminável de shows não permitia que os Paralamas pudessem ter um tempo adequado para compor material para o próximo disco do jeito que pretendiam.
Porém, em outubro de 1985, um fato acabou dando o tempo que os Paralamas precisavam para pensar o próximo disco, mas não bem da maneira que queriam. O baterista João Barone sofre um acidente de carro em Porto Alegre e fratura a perna esquerda. A banda acabou tendo que suspender as apresentações e cancelar compromissos por alguns meses. Enquanto Barone se recuperava, Bi Ribeiro e Herbert Vianna ensaiavam na casa da vovó Ondina (avó de Bi), onde ensaiavam bases rítmicas e grooves, sem se preocuparem com letras. Naquele momento, estavam pesquisando novas sonoridades e ouvindo bastante reggae como os discos de Yellowman e Dr. Alimantado.
Bi Ribeiro, João Barone e Herbert Vianna: apresentação antológica dos Paralamas na primeira edição do Rock in Rio, em 1985. |
Em abril de 1986, Selvagem? chegou às lojas. A primeira música de trabalho foi “Alagados”, que pegou o público e a crítica de surpresa. A música fugia dos padrões vigentes do rock nacional da época. Falando das mazelas das favelas brasileiras, “Alagados” trazia na sua sonoridade uma alta carga de brasilidade, com referências do carimbó e das guitarradas do Pará, e os tamborins do samba carioca. A música chocou o público roqueiro, mas agradou o público das camadas mais populares. Não foi à toa que no primeiro dia de execução, “Alagados” teve 57 execuções no Rio de Janeiro e 67 na Bahia.
A capa de Selvagem? confirmava que os Paralamas pretendiam romper com a estética anglo-americana reinante nos discos do rock brasileiro da época. Na capa, um garoto magrelo de cabelos escovados pra frente, um sorriso idiota no rosto com uma camiseta cobrindo a cintura e o púbis, segura um arco e flecha. Ao fundo, uma barraca de acampamento. O tal garoto era Pedro Ribeiro, irmão de Bi, e a foto foi tirada quando ele era adolescente, no final dos anos 1970.
Paralamas na sessão de fotos para o álbum Selvagem?. |
“A Dama E o Vagabundo” discorre sobre a vida cotidiana conjugal, enquanto que o ska rock “There’s A Party” é a única faixa em inglês do disco e também a única que remete à new wave dos dois primeiros álbuns dos Paralamas. “O Homem” aborda a contradição humana, e “Você”, uma regravação de um sucesso de Tim Maia, ganha uma versão reggae com os Paralamas e fecha o álbum. Isso no LP, pois a versão cassete de Selvagem? veio com uma faixa a mais,“Teerã Dub”, versão instrumental de “Teerã”, cheia de efeitos e ecos, e é quem fecha o álbum em versão cassete. Mais tarde, a versão CD também incluiu “Teerã Dub”.
Selvagem? foi um trabalho ousado dos Paralamas. Promoveu a ruptura da banda com o padrão new wave que os próprios Paralamas ajudaram a propagar no rock brasileiro. Ao invés de sentar sobre os louros da fama conquistados com os dois primeiros discos calcados nos dogmas do punk e new wave, preferiram remar contra a corrente, optando por uma estética mais terceiro-mundista. Apesar de Selvagem? ser na prática um disco essencialmente de reggae, foi a partir dele que os Paralamas se distanciaram das referência inglesas e americanas de rock, e passaram a navegar em outros mares musicais nos álbuns posteriores, se aproximando dos ritmos caribenhos, afro-brasileiros e africanos, tendo o reggae como um fio condutor para todas essas conexões rítmicas. O álbum revela um Herbert Vianna mais maduro e mais contestador como compositor, ao escrever letras mais engajadas, mais politizadas.
Os Paralamas e o produtor Liminha (o segundo da direita para esquerda) recebendo disco de ouro pelas vendas de Selvagem? |
Com Selvagem?, os Paralamas encontraram a maturidade, se consagraram como artistas e calaram as más línguas que afirmavam que o trio não passava de uma mera cópia do The Police. A partir de Selvagem? os Paralamas antecipam a retomada do processo de fusões rítmicas no rock nacional interrompido pela geração dos anos 1980, mas que viria com toda força nos anos 1990 com Skank, Chico Science & Nação Zumbi, O Rappa entre outros.
Faixas:
- "Alagados"(Herbert Vianna – Bi Ribeiro – João Barone)
- "Teerã" (Herbert Vianna – Bi Ribeiro – João Barone)
- "A Novidade" (Gilberto Gil - Herbert Vianna – Bi Ribeiro – João Barone)
- "Melô Do Marinheiro" (João Barone – Bi Ribeiro)
- "Marujo Dub" (João Barone – Bi Ribeiro)
- "Selvagem" (Herbert Vianna – Bi Ribeiro – João Barone)
- "A Dama E O Vagabundo" (Herbert Vianna – Bi Ribeiro)
- "There’s A Party" (Herbert Vianna)
- "O Homem" (Herbert Vianna – Bi Ribeiro)
- "Você" (Tim Maia)
- "Teerã Dub" (Herbert Vianna – Bi Ribeiro – João Barone)
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