sábado, 1 de abril de 2023

Resenha VP 20 Álbum de Johannes Schmoelling 2023

 

Resenha

VP 20

Álbum de Johannes Schmoelling

2023

EP/Single

Para alguém que nunca escutou nada de Johannes Schmoelling ou mesmo do Tangerine Dream, mas tem curiosidade sobre esses pioneiros do som eletrônico, taí: este EP proporciona uma introdução bastante completa ao que esses músicos gostam mais de fazer, com ideias musicais saborosas e uma certa nostalgia que nunca soa falsa nem forçada.

Ele é considerado, junto com Chris Franke, o ex-membro mais importante do grupo eletrônico alemão Tangerine Dream, no qual participou de 1979 a 1985. Esses dois artistas determinaram a direção sonora final da banda que, sob a batuta do fundador e lider Edgar Froese, tendia a produzir um som mais progressivo, minimalista, erudito e "difícil". Com Schmoelling o TD aprendeu a ser lírico sem ser cafona e aprendeu a criar músicas estruturadas de maneira mais convencional. 
Quando deixou o TD, porém, parece que ele estava tão cansado de trabalhar no grupo que distanciou-se do seu som característico em seus álbuns solo dos anos 80 e 90, geralmente considerados geniais por quem conhece o músico. Mesmo amplamente reconhecido pelos fãs de eletrônica, ele não saiu de baixo da enorme sombra da prolífica ex-banda. Chegou mesmo a gravar um LP com covers do TD, ironicamente intitulado "Recycle or Die". Somente em anos recentes ele assumiu e resgatou seu legado artístico na forma de novas músicas que apresentam continuidade direta com o que ele fazia antigamente no TD, usando até os instrumentos originais da época.
Assim, em 2020, ele gravou quatro faixas em "estilo TD" com a colaboração de alguns amigos e lançou este EP para festejar o vigésimo aniversário de seu selo independente Viktoriapark (encerrado no começo de 2023). No ano seguinte ele lançou "21", que é a continuação deste projeto.

"Mountain Blue" (com Jonas Behrens) é uma suíte em duas partes que começa com os típicos arpejos do TD em uma alegre escala pentatônica, sugerindo um nascer do sol feliz, até ofuscante, no pico de uma montanha nevada - ou pelo menos assim se apresenta aos meus ouvidos. Tal clima de satisfação e conforto é pouco usual na moderna música eletrônica, mas também se encontra no LP "Iter Meum". Aos 3:40 minutos, de forma totalmente inesperada, a música repete frases musicais do trecho final de "Logos Red Part", uma das músicas mais icônicas do Tangerine Dream. Não chega a ser uma cover porque a progressão harmônica é diferente, mas que parece, ô se parece... Ao encerrar a peça, a primeira melodia "luminosa" é retomada, com ornamentos sonoros inspirados em "Logos".

"Kaleidoscope" (com Kurt Ader) também reúne duas músicas em uma só. Começa como uma releitura bastante reconhecível de um trecho da clássica "Tangram Set 1", que o TD também produziu isoladamente com o nome de "Chimes and Chains". A semelhança superficial é pouca, mas os acordes são os mesmos. Aos 4:10 há um interlúdio que começa similar às partes mais calmas de "Poland" e emenda com estranhos samples vocais ao estilo dos que ouvimos em "Mojave Plan". Então, aos 5:25, os sequenciadores pegam embalo e começa uma nova parte com animada percussão, item raro em composições do autor. O trecho final é uma espécie de irmão perdido da primeira parte de "Mojave Plan", com um crescendo quase idêntico. Excelente!

"The Stumble" (com Jonas Behrens) é uma canção pop instrumental que não diz muito bem a que veio. Ao contrário das outras três, ela não faz referências claras ao passado do autor. O terço final é legal, mas a música inteira é "amarrada", parecendo uma anomalia neste EP tão cheio de ideias peculiares.

"Ancient Ride" (com Lambert Ringlage) revela-se como outra pequena obra-prima no repertório de Johannes, e mais uma vez é dividida em duas partes contrastantes. A introdução, de tom melancólico e resignado, usa um timbre digital que o TD só adotou depois da saída dele da banda, dando-lhe um aspecto anacrônico. As coisas ficam interessantes a partir dos 1:45, com uma sequência de notas em crescendo. Aos 4:30 há um interlúdio que cita uma das transições de "Tangram Set 2", e então entra a melodia final, aos 5:10. E, amigos, que melodia! Composta dentro do cânone harmônico do Tangerine Dream e com um estilo bem parecido ao de Chris Franke, um pouco tambem como a trilha sonora de "Legend", é um tema cheio de sentimento e de uma beleza surpreendente e profunda. Acompanhado do tique-taque de um relógio, comunica intensa nostalgia, mas sem melodrama. Talvez seja uma peça original dos anos 1980 que o Tangerine Dream não teve chance de usar numa trilha sonora, quem sabe. Esse tema nostálgico acaba rapidamente, após um choroso solo de teclado, e os últimos sons são evocativos de "The Zoo of Tranquility", o segundo álbum solo de Schmoelling. Esse final deixa um gosto de quero mais, que pode ser aplacado pela continuação do projeto, o álbum "21", também resenhado aqui.

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