sexta-feira, 19 de maio de 2023

Andrew Bird – My Finest Work Yet (2019)

 

Em My Finest Work Yet, Andrew Bird oferece-nos duas opções perante um futuro incerto: temermos o desconhecido ou rirmo-nos das pequenas satisfações que possamos tirar daí.

No seu último disco, Andrew Bird regressou ao estúdio para nos falar de política, questões existenciais e alterações climáticas – temas leves, portanto. A 22 de março de 2019, caímos numa análise desta espiral de morte em que vivemos, como diz o próprio, como tentativa de pararmos para ver o mundo, contrariando a apatia de rotina fácil em que nos podemos apoiar. My Finest Work Yet é o décimo segundo álbum a solo do artista e conta tanto com referências históricas – que se estendem desde mitologia grega até à América contemporânea – como com violinos e melodias assobiadas.

Em tom de lembrança de que não nos podemos levar demasiado a sério, Bird intitula a sua obra com humildade e aparece na capa recriando a pintura A Morte de Marat de Jacques-Louis David, em que o líder jacobino da Revolução Francesa surge assassinado numa banheira, enfatizando também o seu teor político.

O álbum começa com “Sysiphus”, num tom de festa que rapidamente se transforma numa denúncia da inércia e da falta de luta da condição humana. Se calhar é por isso que Bird escolheu o rei de Corinto como o exemplo a dar – não é todos os dias que um homem se atreve a desafiar os deuses (“Did he raise both fists and say, To hell with this and just let the / rock roll?”). As melodias bonitas trazem uma alegria irónica, que cessa rapidamente com “Bloodless”. Nela, viajamos para a Catalunha de 1936 e somos confrontados com a vitória do fascismo, unido e bem organizado, contra a oposição que, por muitos princípios e ideais comuns que tenha, não é capaz de se deixar de individualismos. A letra é pertinente já que, 80 anos depois, parece que estamos a viver um eco da História. É acompanhada por influências claras de blues, não desfazendo os violinos omnipresentes. As boas causas são ofuscadas pelo discurso fácil e oco que alimenta a inação. Encerra-se, então, a música mais política do álbum e abre-se caminho para um interlúdio de canções de amor.

Aprendemos em “Olympians” que uma relação amorosa trava batalhas mas não é uma competição. “Cracking codes” vem ensinar à música anterior que não há fórmula para o amor e como este não requer códigos e mensagens escondidas. O amor é, além do mais, sobre a sinceridade – e isso é bastante.

Com “Fallorun”, Bird mantém a sua tradição de criar novas palavras pela junção de conceitos pré-existentes e traz-nos uma metáfora meteorológica para um amor corrompido. Na vida, é-nos dada a possibilidade de escolha entre cairmos nas nossas más decisões ou fugirmos delas, ignorando-as. Os últimos versos aparecem com esperança, para variar toda a atmosfera mais pesada do resto do disco (“Well, we sure hope you can stick around/Andy ou don’t fallorun, oh”). O jogo de violinos regressa intensificado em “Archipelago”, para falar sobre o poder do ódio e a sua prevalência. Uma clara afirmação política contra quem usa a malquerença como conduta (“With no one to hate, they’d be out of a job”). De facto, nós não somos ilhas à deriva no mar, pelo que devemos lutar pela unidade sã (“no more apathy”). O apelo à união diverge da tentativa alheia de criar divisões, que chama as multidões zangadas. “Our enemies are what makes us whole” porque são contra eles que crescemos e desenvolvemos os nossos princípios.

Alimentamos a nossa vida frenética com a morte anónima, diz “Manifest”. Se por um lado é uma referência direta à utilização massiva dos combustíveis fósseis e às suas consequências nefastas (que trarão o nosso próprio fim?), também pode ser visto por um lado mais espiritual, em que os gases de efeito de estufa são os fantasmas que permitem a vida que levamos. A morte serve a vida que serve a morte. Será sobre como o nosso sucesso obriga à exploração de alheios? – ou, se calhar, Bird só queria mesmo escrever uma música sobre gasolina. Esta fica ainda mais intensa com os seus assobios clássicos, coros de Madison Cunningham e uma bateria fortemente presente.

As percussões pesadas marcam a primeira parte de “Don The Struggle”, interrompidas por uma espiral divertida de outros instrumentos, como o piano. Aqui, as questões existenciais surgem rápidas e dinâmicas e tornam-se difíceis de acompanhar. E de repente estamos de volta à bateria e aos versos arrastados, perto do fim que inclui uma despedida e um beijinho de “boa sorte!” para isto que é o mundo em que vivemos, porque para ele já chega. Um violino choroso encerra esta viagem e rapidamente estamos a ouvir “Bellevue Bridge Club”. Em contraste com a música anterior, cheia de cores e movimento, nesta o tempo pára para o deixar falar em nome do outro lado do amor.

Assim termina um álbum irónico, obscuro, político, poético, introspectivo, onde a honestidade aparece como a cura para todas as doenças do mundo. Perante um futuro incerto, Bird oferece-nos duas opções: temermos o desconhecido ou rirmo-nos das pequenas satisfações que possamos tirar daí. De facto, as músicas não são bons augúrios, mas a boa disposição constante mostra-se como uma luz ao fundo do túnel. Estas reflexões foram relevantes na Antiguidade e permanecem relevantes na atualidade. Ouvi-las nunca fez tanto sentido como em 2020, quando parece que tudo acontece ao mesmo tempo, não deixando espaço para a sua digestão. Bird diz-nos que a História se repete e que o nosso propósito não pode ser autodestrutivo, como que uma mensagem otimista aos pessimistas.



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