sexta-feira, 5 de maio de 2023

Capicua – Madrepérola (2020)

 

Desde 2008 Capicua tem brindado o mundo do hip-hop, aliás de toda a música portuguesa, com lições de como fazer boas letras e canções. Em 2020 chega Madrepérola, a mais recente jóia da discografia.

Este terceiro disco em nome próprio pode enganar quem acha que a artista tem andado parada. De remisturas a discos em parceria, Capicua acumula concertos e colaborações como cantora ou letrista. No ano de 2019, participou em Bairro da Ponte de Stereossauro, e neste novo trabalho recupera um tema diferente desse disco. Em resumo, Madrepérola é um disco com mais altos que baixos e mantém a qualidade a que Capicua já nos habituou.

Madrepérola tem a sua declaração de intenções com “A Ostra”, texto original de Rubem Alves onde, explica, a ostra tem de criar a pérola para deixar de sofrer com o grão de areia. Logo depois vem “Passiflora”, canção baseada em Flor de Maracujá de Stereossauro com Camané, onde Capicua explora a sua própria vida e carreira em relação aos críticos “Eles preferem os discos que ainda não saíram/ Eles preferem promessas daqueles que desistiram“, esperamos contudo que não deixe de ler o Altamont.

As referências poéticas e musicais estão sempre ao lado do bom gosto. Logo em “A Minha Ilha”, com a participação de Catarina Salinas dos Best Youth, ouvimos versos de Sophia e referências a ChicoGil ou Elis. “Circunvalação” é um hino ao Porto, cidade que ama e critica e onde o refrão puxa semelhança a Grandmaster Flash. “Parto Sem Dor” vai à canção homónima de Godinho e através de mais referências a pérolas, fala sobre a maternidade. Mais à frente, no tema título, com participação de Karol Conká, o name dropping irrepreensível serve como chamada à acção, feminista, cheio de força e diversão. Dá vontade de deixar aqui toda a letra, pela dificuldade que é escolher uma parte melhor, mas fica esta, mesmo a terminar a canção, “Vim dar lições a putos e a homens das cavernas/ Sobre a vida com V grande e V no meio das pernas“, que acaba por ser uma afirmação da carreira de Capicua.

Como sempre, Capicua domina a língua e as rimas, saltando com aparente fluidez entre temas sérios ou mais a brincar, conseguindo sumarizar vidas e sentimentos com os quais nos podemos relacionar com facilidade, ainda que desprovidos da acuidade verbal da artista. “E se este mundo é surreal bora fazer um Dalí” parece uma frase fácil, e é isso que faz dela uma bala certeira aos sentimentos. Outra delas é “Planetário”com participação de Mallú Magalhães. Neste tema Capicua mostra o seu talento para contar histórias de amor, com um videoclip igualmente fofo onde um casal conta os sinais na pele. “Último Mergulho”, com Lena D’Água é outro dos pontos altos de Madrepérola e talvez a canção mais aberta a interpretações. Precede “Mátria”, onde colabora com EmicidaRael e Rincon Sapiência e cada um deles versa a sua própria criação e identidade.

Capicua apresenta-se como artista completa. Em relação a Sereia Louca de 2014, o seu último disco “a solo”, parece mais confortável, depois do hype, assumindo-se completa, no domínio da sua arte. Não somos nós que vamos perguntar pelo próximo disco e vamos aproveitá-lo “porque pode ser o úlitmo!



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