quarta-feira, 31 de maio de 2023

Disco Imortal: The Mars Volta – Frances the Mute (2005)

 Immortal Record: The Mars Volta – Frances the Mute (2005)

Gold Standard Laboratories/Universal/Strummer, 2005

Se estamos a falar de discos "teimosos", Frances the Mute deverá ocupar lugares bastante avançados na história da música, e não estamos a falar apenas da novela sórdida e macabra em que se insere, mas também pela sua música que mergulha em labirintos nunca antes justapostos, onde rock clássico, fusão experimental, ritmos progressivos e latinos abrigam uma das obras mais celebradas dos gênios de El Paso, Texas.

Não é possível comentar este álbum sem aprofundar nem um pouco no seu conceito, a verdade é que esta história não tem finais explicáveis, o mistério que a envolve é tal que não se sabe o quão verdadeiro há na história por detrás deste livro, inspirado no diário de vida de um personagem totalmente estranho e macabro como Cygnus, que era um assassino com um passado terrível (sua mãe que ele nunca conheceu foi estuprada e assassinada), prostituta, drogado e portador de AIDS que decidiu espalhar sua doença a um número infindável de pessoas, vítimas que se contam na história. Esse fato por si só dá margem a uma análise conscienciosa, mas aqui o que também importa em linhas gerais é a música.

O álbum de alguma forma presta homenagem a Jeremy Ward, o engenheiro e músico que morreu de overdose de heroína na turnê "Deloused in the Comatorium", que trabalhava para uma empresa como restaurador de carros e encontrou este estranho diário de vida no fundo de um veículo com essas histórias e resolveu fazer algo com ele até falecer, foi aí que surgiu a adaptação de Cedric Bixler-Zavala, que é inspirada nos personagens, cada tema levando o nome de um desses descendentes do mal, onde estupros, assassinatos e traições estão envolvidos.

O rock acústico zeppeliano dá-nos o primeiro indício das influências icónicas que se juntam a esta fusão inédita, que, mais a loucura de um espanhol mal falado como de propósito, e as notas a mil por minuto influenciadas por coisas como Frank Zappa ou King Crimson, já nos dá o padrão de uma joia que não chega a combinar com ninguém, pois tem uma identidade matemática e um jeito visceral de soar novo. Isso é 'Cygnus', apenas a abertura e a introdução do personagem principal falando na primeira pessoa.

No entanto, este álbum tem uma das poucas canções de "ouvido" que os Volta têm historicamente, um blues primoroso temperado por noise, psicodelia e arranjos marcantes, neste ponto a guitarra de Omar Rodriguez-López deslumbrou pelo fato de já dominar tanto música em sua cabeça, que ele poderia tocar o estilo que foi colocado diante dele e fazê-lo com maestria. 'A Viúva' é a sórdida história de uma mulher que quer se 'suicidar' ao se infectar com a AIDS do protagonista desta história após ficar submersa em depressão devido à morte de seu companheiro (não está claro se ela é homossexual ou se o gênero for homem ou mulher), ficando presos no enigma do disco.

São canções avassaladoras e devastadoras, quando se trata de outra das personagens principais 'L'Via L' Viaquez' (a suposta tia de Cygnus e que testemunhou o estupro de Frances), as guitarras de Rodríguez-López e John Frusciante explodem de repente e exalam intensidade, como se emaranhado com o macabro por trás das histórias. Essa tia, apesar de contar a ela sobre sua presença no estupro, esconde informações relevantes para chegar aos assassinos por medo dos Corujas ('As Corujas) que aparentemente ameaçaram matá-la. (“Sem olhos você quer me dar uma história sem minha mãe”), como Bixler-Zavala canta em espanhol. São mais de dez minutos de loucura que chegam a um aglomerado de percussões latinas ao estilo Santana que o vão deixar sem palavras.

E sim, este é o álbum de The Mars Volta que vem para reivindicar suas raízes latinas, as histórias dos acontecimentos e assassinatos se movem geograficamente por Porto Rico (país natal de Omar Rodriguez-López) e Ciudad Juárez, México. Quando se trata de 'Miranda aquele fantasma simplesmente não é mais santo', por exemplo, que é quando Cygnus descobre sua avó em busca da verdade sobre o desfecho brutal de sua mãe; Miranda, retratado como um “fantasma” e com sons atmosféricos assustadores e bastante misteriosos em sua entrada, então se volta para um progressivo, revelando linhas de baixo clássicas (sim, soa como um King Crimson estilizado dos anos 2000 novamente). Por aqui e sobretudo no crepúsculo do disco é onde surge o mais vanguardista, o matematicamente insano, este disco veio com um número infindável de músicos para o seu fim senão, As incursões de Juan Alderete no baixo foram muito importantes. Flea reaparece desta vez com o trompete em “The Widow” e uma equipa bastante numerosa participou nos violinos e nas percussões latinas, The Mars Volta soube obter enormes conselhos a este respeito.

O final da trama é o mais complicado, onde aparece Cassandra, uma suposta irmã gêmea de Cygnus que vem tentar encaixar a peça que faltava no quebra-cabeça para chegar na verdade, mas não, não se revela muita coisa, deixando você realmente intrigado. sobre o fim da história. De qualquer forma, houve várias interpretações, como a de que é o alter-ego de sua avó Miranda ou a parte mais distorcida que o próprio Cygnus se torna. A verdade é que a música fecha um álbum à altura das circunstâncias, com subdivisões que vão da psicodelia clássica ao indie rock e uma fúria e complexidade que podem até soar como momentos do mais genial Tool em “Aenima”. Sua poesia perturbadora e o surrealismo de suas letras é o que há de mais complexo para conseguir chegar a uma conclusão saudável para toda essa história, para dizer a verdade.

O disco deixa-nos muito, algo mais que história, isso é o melhor de tudo, um disco que podemos ir ouvindo ao longo dos anos e do qual podemos descobrir cada vez mais coisas. O Mars Volta insistiu na complexidade a níveis avassaladores a partir de então e antes de sua estréia eles contaram outra história conceitual dos poucos vistos, mas não há dúvida de que Frances the Mute é único.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Destaque

Creative Outlaws - Underground ( Folk Rock, Psychedelic Rock, Classic Rock)

  Creative Outlaws US Underground 1965-1971 MUSICA&SOM Esta coleção de 22 curiosidades underground reflete o conflito entre os liberais ...