Bon Jovi no início da carreira: David Bryan, Tio Torres, Jon Bon Jovi, Alec John Such e Richie Sambora
Pouquíssimas bandas geram reações tão extremadas quando seu nome é mencionado como o Bon Jovi. Entre fãs e detratores, o amor e o ódio formam um antagonismo com poucos precedentes na história da música popular. Muitos creditam o sucesso da formação ao visual de seu fundador, o vocalista Jon Bon Jovi (nascido John Francis Bongiovi Jr.), mas o fato é que o grupo do Estado norte-americano de New Jersey soube como poucos sobreviver às mudanças no mercado fonográfico ocorridas nos últimos 30 anos. Filhote da primeira onda hair metal norte-americana, ao lado de bandas como Ratt, Dokken e Mötley Crüe, o Bon Jovi aproveitou-se da exposição na crescente MTV e confirmou seu status como uma das maiores bandas da década de 80 a partir de seu terceiro disco, Slippery When Wet (1986), fazendo dos videoclipes uma força tão grande quanto suas composições e suas performances sobre os palcos. No início dos anos 90, quando a derrocada dos grupos oitentistas de hard rock parecia inevitável, o Bon Jovi conseguiu aquilo que praticamente nenhuma outra formação do gênero conseguiu: permaneceu lançando álbuns de sucesso, adaptando sua sonoridade à época, mas sem cometer o erro de se deixar levar pelas tendências que dominavam o mercado fonográfico, jamais abrindo mão de sua identidade. A banda lançou recentemente seu décimo quinto álbum, e com esta discografia comentada, entre eu e Davi Pascale, prestaremos homenagem a uma de minhas formações favoritas.
Normalmente, na música, os sucessos nascem do esforço de uma banda em criar uma boa canção, que agrade através de seu talento como compositores e instrumentistas. E o que dizer do caso contrário, de uma banda que nasceu de um sucesso? Pois essa é a história do Bon Jovi, que foi formado por Jon a fim de aproveitar o êxito obtido com “Runaway” e confirmar o desejo de levar sua vida como um artista profissional. Gravada pelo cantor em 1982, ao lado de músicos de estúdio, na época em que Jon trabalhava no Power Station Studios, do qual seu primo Tony Bongiovi era sócio, a canção chegou às mãos de uma rádio de Nova York e tornou-se um sucesso local em 1983, levando à formação do grupo e à assinatura de um contrato com a gravadora Mercury Records. Não tardou para que o quinteto, formado por Jon, vocalista e ocasional guitarrista, Richie Sambora (guitarra), Alec John Such (baixo), Tico Torres (bateria) e David Bryan (teclados), lançasse, em janeiro de 1984, seu debut autointitulado. Como não poderia deixar de ser, “Runaway”foi incluída no disco, constituindo sua abertura, além de ter sido lançada como primeiro single e videoclipe, atingindo a 39ª posição na Billboard e ajudando Bon Jovi a alcançar o 43º posto. Sua marcante introdução ao teclado, aliada a um belo solo de guitarra e às viciantes vocalizações, tornaram-se marcas registradas desse hard rock que, além de ser a melhor faixa do álbum, constitui a única música dos dois primeiros discos presente constantemente nos set lists do Bon Jovi nos últimos 25 anos. Apesar disso, justiça deve ser feita: mesmo que Bon Jovi não seja um dos melhores lançamentos do grupo, trata-se de uma coleção sólida de canções em conjunção com sua época e devendo pouco às bandas que já confirmavam seu sucesso na seara do hard rock oitentista. “Roulette”, que conta com um bom trabalho de Sambora e um refrão interessante, é uma delas, assim como “Burning For Love”, forte na simbiose entre teclados e guitarra, e “Shot Through the Heart”, que apresenta algumas semelhanças com “Runaway”. A balada “She Don’t Know Me”, além de ser a única música lançada em álbuns de estúdio do grupo sem contar com créditos para Jon como compositor, foi a primeira a apresentar o Bon Jovi executando uma música desse gênero, algo que a banda faria diversas vezes no futuro, muitas vezes com bons resultados e gerando grandes êxitos. “Love Lies” é a segunda canção nesse formato, mas sem o mesmo ânimo de “She Don’t Know Me”, que é dona de um refrão até certo ponto simplório, porém simpático. “Breakout” é divertida, enquanto “Come Back” traz o peso da guitarra de Sambora um pouco mais em evidência e o uso extensivo de backing vocals, uma constante na carreira do grupo, especialmente através da voz do guitarrista, que ao vivo executa com competência de sobra o importante papel de complementar as vocalizações de Jon. O disco é encerrado com a rock ‘n’ roll “Get Ready”, inocente como o disco da qual faz parte, mas cujo título é um indicativo do sucesso que estava por vir pouco tempo depois, tomando os palcos e as paradas musicais de assalto. Bon Jovi pode não oferecer o melhor da mistura entre Van Halen e Bruce Springsteen que o quinteto supostamente se prestava a fazer, mas foi o suficiente para que chamasse a atenção de muitos e iniciasse, de leve, a conquista do posto de uma das mais importantes bandas a emergir nos anos 80.
Apesar da repercussão inicial positiva, o sucesso não veio imediatamente para o Bon Jovi. “Runaway” foi um hit considerável para um grupo iniciante, mas não foi suficiente para corresponder às aspirações dos ambiciosos músicos, especialmente de Jon, que catalisou essa dose de frustração no resultado presente em 7800º Fahrenheit, recheado de letras ricas em melancolia, algo que ia contra o tom mais festeiro do hard rock oitentista, bem explorado no debut. Escondidas mesmo sob canções mais cheias de malícia e descontração, estavam as incertezas de uma banda que começava a trilhar seu caminho e ainda não havia amadurecido totalmente a ideia de passar a vida na estrada, vivendo de sua música. A primeira faixa, “In and Out of Love”, até pode enganar o ouvinte, pois trata-se de um legítimo pop metal, conduzido por um bom riff de Sambora e dono de um solo tão safado quanto sua letra.“The Price of Love”, introduzida pela bateria de Tico torres em fade in, segue uma linha semelhante, mas já dá mostras de um clima menos positivo. Musicalmente, considero-a superior à anterior, focando menos em riffs de guitarra e mais nas linhas vocais de Jon, apesar de também destacar mais um solo de qualidade. Em “Only Lonely”, a melancolia descrita anteriormente começa a dar as caras mais explicitamente, resultando em uma power ballad que pode soar datada, especialmente pela sonoridade dos teclados, mas tem destaque entre os fãs que apreciam a primeira fase do grupo. “Only Lonely” acabou sendo a canção proveniente de 7800º Fahrenheit que mais obteve destaque na Billboard, alcançando o modesto 54º posto, frustrando expectativas e não ajudando muito a melhorar o desempenho do álbum na mesma parada, na qual chegou à 37ª posição, abaixo da ambição do quinteto. Outra balada, muito menos power que a anterior, é “Silent Night”, ainda mais brega e datada, o que não quer dizer necessariamente que isso é ruim. Aliás, essas duas faixas são perfeitas para destruir a tese daqueles que afirmam que o Bon Jovi, com o passar do tempo, passou a “apelar para baladas ‘mela cueca’” a fim de manter seu sucesso. Ora pois, o grupo sempre incluiu esse tipo de canção em seus álbuns, e somente alguém muito desatento ou mal intencionado ignoraria esse fato. Talvez a música mais ambiciosa do quinteto neste disco, “Tokyo Road” assume um tom mais narrativo, contando inclusive com uma introdução em japonês, na voz de uma menina, interrompida pelos riffs de Sambora, tornando a faixa o hard rock mais vigoroso do álbum, com direito a mais um solo de qualidade. Minha favorita de 7800º Fahrenheit e uma das preferidas em toda a carreira do grupo vem em seguida: “The Hardest Part Is the Night”. Sua letra, em tom quase confessional, reflete a solidão de seu protagonista e é bem interpretada por Jon, que passava por problemas de relacionamento na época. Instrumentalmente, trata-se de um ótimo equilíbrio entre um hard rock mais tradicional e uma power ballad, dotado de mais um belo refrão. “Always Run to You” é mais baseada em riffs de guitarra, assim como “Secret Dreams”, que fecha o álbum com seu riff mais explicitamente heavy metal e com a raríssima presença de Tico Torres como um dos compositores. Não fosse a produção e a profusão de teclados, “Secret Dreams” poderia soar muito mais pesada e provavelmente melhor, mas mesmo assim trata-se de uma boa faixa. Nem tão boas são as duas que ainda não citei: “King of the Mountain” tem um andamento quadrado e não empolga nem pela profusão de backing vocals. O nível cai ainda mais com “(I Don’t Wanna Fall) to the Fire”, candidata forte ao título de pior canção registrada pelo Bon Jovi. De refrão repetitivo e desagradável, não convence nem o fã mais complacente. 7800º Fahrenheit pode não ser um dos melhores discos lançados pelo Bon Jovi, mas, por diversos motivos que fogem à fria razão, tem um lugar especial reservado em minha memória auditiva. Trata-se de um momento único na discografia do grupo, que jamais se repetiria posteriormente; o final da inocência, de certa forma consciente, e sua sequência foi uma prova de que o quinteto era capaz de perseverar e, apesar do moderado fracasso, não deixar se abalar, focando-se como nunca na produção de um sucessor não apenas à altura, mas muito superior em qualquer aspecto. Confira aquiuma resenha especial focada em 7800º Fahrenheit.
Slippery When Wet [1986]
Não se deixe enganar por “Let It Rock” e sua longa introdução tocada por David Bryan nos teclados. Foi com uma frase roubada de uma música lançada dois anos e meio antes que nasceu o Bon Jovi que conhecemos hoje em dia. Mais do que isso, foi com “Shot through the heart, and you’re to blame/You give love a bad name” que o pop metal mostrou de vez que era uma força a ser reconhecida no panteão musical oitentista. Outros grupos já experimentavam sucesso havia alguns anos, colocando singles no Top 40 da Billboard e vendendo grandes quantidades de discos com regularidade, mas “You Give Love a Bad Name” foi a primeira música do gênero a galgar o primeiro posto. Seu perfeito equilíbrio entre melodias pop, instrumental simples mas com um toque metálico e um refrão extremamente viciante conquistou e ampliou um público que já era crescente, abrindo espaço para que outras bandas do estilo tivessem a oportunidade de mostrar seu trabalho. Na composição, ao lado de Jon e Richie, um tal Desmond Child apareceu pela primeira vez, dando início a uma parceria que continuaria ao longo dos anos. Child, que já havia trabalhado com o Kiss, foi indicado pelo próprio Paul Stanley e uniu-se ao vocalista e ao guitarrista na composição de quatro canções de Slippery When Wet, um trabalho que não apenas gerou dividendos para o Bon Jovi, mas consolidou o nome do compositor no mercado fonográfico, gerando convites posteriores de artistas como Alice Cooper e Aerosmith, interessados em reposicionar suas carreiras nos anos 80. Apesar das qualidades de “You Give Love a Bad Name”, o sucesso do Bon Jovi não veio baseado apenas em um single. Slippery When Wet é sólido de ponta a ponta, e a maior prova disso é que a sequência natural no track list, “Livin’ on a Prayer”, também atingiu a primeira posição na Billboard. Dessa vez, a união entre o pop metal herdado do Van Halen e recheado de melodias cativantes encontrou uma narrativa no estilo de Bruce Springsteen e moldou-se à perfeição. O groove certeiro de Alec, a guitarra com talk box, o refrão pronto para ser bradado em arenas e estádios lotados, o mágico solo de Sambora… Tudo conspirou para que a história de Tommy e Gina, um casal proletário norte-americano, se tornasse, mais do que um clássico do Bon Jovi, parte da cultura popular, transcendendo as fronteiras dos Estados Unidos. Quer mais? O que dizer de “Wanted Dead or Alive”, que, diferentemente de baladas anteriores, inspirou-se nas histórias de cowboys e adaptou-as ao cotidiano de uma banda na estrada? Jon oferece uma performance fantástica, mas é Richie que mais brilha na canção, tanto com seus backing vocals quanto em sua magnífica performance nas doze e nas seis cordas. Mais do que isso: em “Wanted Dead or Alive” o guitarrista oferece um dos melhores solos de sua carreira, o verdadeiro clímax da canção. Não para por aí: quem prefere o Bon Jovi mais baseado em riffs de guitarra tem “Raise Your Hands”, assim como o lado mais malandro do grupo é explorado na suingada “Social Disease”, que também traz instrumentos de sopro. Lembrando um pouco o estilo de “Runaway” há “I’d Die For You”, uma das melhores do disco, mais metálica e evidenciando a produção superior de Slippery When Wet, responsabilidade do canadense Bruce Fairbairn. Entre as power ballads, há a irresistivelmente pop “Without Love”, uma de minhas favoritas e infelizmente ignorada ao vivo, e “Never Say Goodbye”, mais lenta e reflexiva, de inspiração juvenil. O álbum é encerrado com a alegre e rock ‘n’ roll “Wild in the Streets”, mostrando de vez que o Bon Jovi renovou seus ânimos para a criação de Slippery When Wet e acreditava no material que estava apresentando. O resultado se revelou em muito mais do que a primeira posição que o álbum ocupou na Billboard por oito semanas, mas em um fenômeno que rendeu mais que 28 milhões de cópias vendidas ao redor do planeta.
Superar o resultado fantástico de Slippery When Wet seria uma tarefa hercúlea. A banda teve o talento, otiming e as ajudas certas para fazer com que o álbum fosse um sucesso. Querendo provar que seu êxito não era fogo de palha, o grupo reuniu-se novamente após uma breve pausa na extensa turnê de 1986/87 e já iniciou os trabalhos de composição daquilo que viria a ser New Jersey. Para a produção, Bruce Fairbairn foi novamente o escolhido, assim como seu auxiliar, um certo Bob Rock, cuidou novamente da mixagem. Tal qual em Slippery When Wet, Desmond Child compôs quatro canções ao lado de Jon e Richie para o novo disco, sacramentando de vez uma parceria musical que ainda renderia muito no futuro. Na maior parte de seu track list, New Jersey é uma sequência natural, diria até proposital de seu antecessor. É fácil estabelecer um paralelo entre diversas canções presentes nos dois álbuns, a começar pela primeira, “Lay Your Hands on Me”, que, assim como “Let It Rock”, conta com uma longa introdução (para os padrões de um grupo mais popular) que constrói o clima para abrir os trabalhos, dessa vez protagonizado pela bateria de Tico Torres e de diversos efeitos provenientes da guitarra de Sambora. Quando a canção finalmente engrena, mostra-se um hard rock classudo, com uma dose interessante de peso, bons riffs e um Jon Bon Jovi dominando cada vez melhor sua voz. “Bad Medicine” tenta repetir o sucesso de “You Give Love a Bad Name” e consegue, ao menos nas paradas, alcançando a posição mais alta na Billboard. Musicalmente, considero-a inferior, mas seu potencial para arrebatar admiradores com seu estilo malandro é inegável, tanto que permanece sendo executada em praticamente todos os shows do grupo até hoje. Para corroborar ainda mais minha tese de que a sequência foi proposital, “Born to Be My Baby” segue o estilo narrativo de “Livin’ on a Prayer” e é tão boa e viciante quanto. Baseada em um bem sacado groove de baixo e amparada pelo uso extensivo de backing vocals, a faixa frustra aqueles que duvidavam da capacidade da banda em conseguir fazer jus a Slippery When Wet. Melhor ainda é “Blood on Blood”, a mais metálica do disco e, facilmente, uma das melhores canções que o Bon Jovi já registrou em sua longa carreira, além de ser mais uma a explorar o estilo Springsteen de narrativa. Mostra de que Bruce Fairbairn acertou na produção de New Jersey, “Homebound Train” oferece uma dose extra de peso e ao mesmo tempo suinga como nenhuma outra no disco. O jeito cowboy de ser também dá as caras, através da ótima “Wild is the Wind” e da balada “Stick to Your Guns”, que são separadas por uma breve canção registrada em mono e com a qualidade de áudio propositalmente sofrível. A composição da faixa é creditada a uns tais “Captain Kidd” e “King of Swing”, nada menos do que pseudônimos utilizados por Jon e Richie. Falando em baladas, o álbum ainda reserva “Living in Sin”, até que bastante interessante, mas nada comparado à power ballad das power ballads, a fantástica “I’ll Be There For You”, a preferida de uma grande parcela dos fãs e mais uma presença no topo da Billboard. Em que pesem as diversas críticas à sua breguice, poucas músicas merecem ter seu refrão bradado com tanta energia quanto “I’ll Be There For You”, e assistir sua apresentação ao vivo é uma experiência única. New Jersey ainda conta com “99 in the Shade”, na linha dos dois primeiros discos, e encerra com a descompromissadamente acústica “Love For Sale”, registrada em ritmo de descontração. Se alguém estava descrente de que o sucesso do Bon Jovi havia chegado pra ficar, quebrou a cara. Assim como Slippery When Wet, New Jerseygalgou o número um na parada de álbuns da Billboard e firmou de vez a formação como uma das maiores bandas de todos os tempos.
O sucesso gigantesco de Slippery When Wet e New Jersey fez com que o quinteto se destacasse entre diversas outras bandas de hard rock que infestavam o cenário, e sua capacidade sobre o palco ajudou a levar o nome do Bon Jovi para os mais diversos cantos do planeta. Esse trabalho, contudo, cobrou seu preço, e a maratona de shows quase sem intervalos iniciada em 1984, e potencializada a partir de 1986, quase levou à dissolução do grupo. Após o término da “Jersey Sindicate Tour”, em fevereiro de 1990, a banda entrou em um hiato que só seria efetivamente quebrado no início de 1992, quando o quinteto se reuniu para compor e registrar o álbum seguinte. Em meio a esse tempo, Jon Bon Jovi lançou seu primeiro disco solo, Blaze of Glory (1990), constituído por canções inspiradas no filme “Young Guns 2″ (“Jovens Demais para Morrer”), lançado no mesmo ano. Richie Sambora fez o mesmo, e editou Stranger in This Town em 1991, mesclando seu lado tipicamente hard rocker com uma faceta blues.
Entre 1988 e 1992, o mercado fonográfico roqueiro norte-americano e, consequentemente, o mundial, passou por mudanças bastante bruscas. Atingindo um ponto de saturação e submerso na repetição de muitos clichês, o pop metal, que havia alcançado seu auge no final dos anos 80, começou a receber cada vez menos atenção por parte de suas gravadoras, da importante MTV e das estações de rádio. No seu lugar, bandas originárias da região de Seattle, no Noroeste dos Estados Unidos, assumiram o protagonismo, em um “movimento” que foi rotulado como grunge. Muitas formações tipicamente oitentistas perderam força e até encerraram atividades, definitiva ou temporariamente. Outros continuaram lançando discos, mas sem sequer fazer sombra às glórias de um passado recente. Consciente do novo cenário, o Bon Jovi, como nenhum outro grupo de hard rock oitentista, soube se adaptar às mudanças e manter seu status de grande banda. Desde a capa de Keep the Faith, de logo reformulado, passando pelo visual mais cleandos músicos, até a sonoridade e a excelente produção (dessa vez comandada por Bob Rock), nada exalava ranço da década passada. Apesar dessa reformulação, em nenhum momento o grupo cedeu às tendências em voga, mantendo sua identidade e conquistando novos fãs sem desagradar os antigos admiradores. Prova disso é o fato do álbum ser tido em tão alta conta quanto seus dois maiores sucessos, Slippery When Wet e New Jersey, e ter sido marcado por mais uma série de singles de sucesso. O track list exala maturidade, tanto musicalmente quanto liricamente, o que não quer dizer que não haja músicas mais descompromissadas, como é o caso da descontraída “I’ll Sleep When I’m Dead”, da autobiográfica “Blame it on the Love of Rock & Roll”, de “Woman in Love” e de “Little Bit of Soul”. No campo das baladas, há equilíbrio: enquanto a ótima “I Want You” remete aos (agradáveis) exageros passionais da década de 80, “Bed of Roses”, ainda melhor, soa mais contemporânea, reflexiva e elaborada. Há uma dose extra de peso em algumas músicas, como na arrebatadora abertura, “I Believe”, mostrando de cara um Bon Jovi renovado e com fôlego para enfrentar a nova década, em “Fear”, evidenciando a excelente sonoridade do baixo de Alec em sua abertura, e especialmente em “If I Was Your Mother”. A faixa-título constitui um clássico instantâneo, baseada em linhas bem sacadas de todos os instrumentos e menos em riffs de guitarra, apesar de Sambora não deixar de carimbar mais um solo com sua marca registrada. Melhor do que essa (e que “Bed of Roses”, também excelente), apenas as duas últimas músicas que ainda não citei: “In These Arms” e “Dry County”. A primeira, além de ter sido a última composta para Keep the Faith, constitui indiscutivelmente a melhor contribuição do tecladista David Bryan para o grupo, que a escreveu junto a Jon e Richie. Viciante, trata-se de uma aula de como criar um crescendo irresistível, culminando no refrão dos refrões e em mais um solo fantástico de Sambora. E “Dry County”? Essa mereceria uma resenha apenas para ela. É interessante notar que a maior prova da maturidade adquirida pelo Bon Jovi entreNew Jersey e Keep the Faith é justamente uma música com cara de épico setentista, remetendo obviamente à presente influência de Bruce Springsteen e de músicas suas como “Jungleland” e “Backstreets”, apesar da temática lírica diferente, abordando a vida sem perspectivas de tantas pequenas cidades. Além de Jon oferecer aquela que talvez seja sua melhor performance vocal de sua carreira, Richie não fica nem um pouco para trás, emendando uma sequência de solos de tirar o fôlego, ocupando grande parte dos quase dez minutos de música. Apesar de ter alcançado a 5ª posição na Billboard, abaixo dos dois antecessores, que atingiram o topo, Keep the Faith não apenas confirmou a sobrevivência do Bon Jovi na nova década, mas conseguiu maior respaldo entre aqueles que não acreditavam na capacidade do grupo, tornando-se também um dos favoritos dos fãs.
Antes do lançamento da sequência paraKeep the Faith, alguns fatos importantes aconteceram com o Bon Jovi. O primeiro foi o lançamento da coletânea Cross Road (1994), que além de celebrar dez anos de uma carreira recheada de êxitos, conta com uma regravação de “Livin’ on a Prayer”, intitulada “Prayer ’94″, e com duas novas músicas, a balada “Always” e“Someday I’ll Be Saturday Night”, mais dois clássicos instantâneos, executados ao vivo até hoje com grande frequência. O outro fato marcante foi a demissão do baixista Alec John Such, primeira e única baixa da formação original, até hoje não totalmente esclarecida, mas justificada por um suposto desinteresse do músico para com o grupo, além de falta de dedicação. Alec foi substituído não oficialmente por Hugh McDonald, que foi um dos músicos que registraram “Runaway” em 1982 e sobre o qual pipocaram boatos de que havia gravado todas as linhas de baixo no grupo desde Keep the Faith. Sobre These Days, logo de início percebe-se que o caminho traçado desde o disco anterior foi seguido, com ainda mais maturidade e até uma certa dose de pessimismo (ou realismo?) em suas letras e em seu clima geral, algo evidente desde a abertura, com a pesada “Hey God”, sepultando de vez os timbres mais “plásticos” dos teclados de David Bryan no passado. Além disso, briga com “Runaway” pelo trono de melhor abertura de disco na carreira do Bon Jovi. A irônica “Something For the Pain” é outra bela faixa, e ainda por cima faz graça com as tendências musicais da época em seu divertido videoclipe. O rock mais direto também aparece com destaque em “Damned”, com uma linha de bateria que remete a “Keep the Faith”, e em “If That’s What It Takes”. A grande quantidade de baladas, fato que normalmente pode ser fonte de críticas, não incomoda nem um pouco em These Days, muito pelo contrário, pois seu nível de qualidade é elevado, especialmente em se tratando das três típicas power ballads presentes. A primeira é “This Ain’t a Love Song”, maior sucesso extraído do disco (14º lugar na principal lista de singles da Billboard). A segunda é uma de minhas preferidas na trajetória do grupo, “Lie to Me”, que adota o tom mais reflexivo de “Bed of Roses”, mas ainda melhor explorado. Mais próxima do estilo oitentista é “Hearts Breaking Even”, aberta com um bom solo de Sambora e dotada de um daqueles refrões passionais que o Bon Jovi sabe criar com tanta naturalidade, mas que infelizmente nunca foi tocada ao vivo, talvez em função de sua exigente performance vocal. Ainda no campo das baladas (ou quase), há “My Guitar Lies Bleeding in My Arms”, mais adulta e fugindo totalmente de um formato mais tradicional; “(It’s Hard) Letting You Go”, outra bastante diferente, assumindo um tom mais depressivo e constituindo um ponto baixo do disco; e “Diamond Ring”, composta originalmente para New Jersey e que fecha o track list original de maneira acústica. Além das músicas citadas, ainda há a ambiciosa e questionadora “Something to Believe In”, totalmente alinhada com o Bon Jovi adulto dos anos 90, e a épica faixa-título, constituída por seis minutos e meio daquilo que de mais brilhante o grupo havia feito no decorrer de sua carreira, um verdadeiro workshop de composição. These Days pode não ter obtido o mesmo destaque de seus três antecessores, atingindo, no máximo, o nono posto na parada de álbuns da Billboard, mas ajudou como nenhum outro disco a tornar o Bon Jovi ainda maior fora de seu país de origem, especialmente no Reino Unido e no Japão, onde o disco carimbou a primeira posição e rendeu vários singles de sucesso. A banda daria mais uma pausa em suas atividades após o término de sua turnê de promoção, gerando mais discos solo de Jon e Richie, mas isso é assunto para a próxima parte…
Sem comentários:
Enviar um comentário