Embora o álbum Morrison Hotel, lançado em fevereiro de 1970, tenha sido aclamado pela crítica e alcançado a marca de 1 milhão de cópias vendidas, não tornou a vida dos Doors tão amena como se imaginava. O tal “incidente de Miami”, ocorrido em março de 1969, quando num show dos Doors, Jim Morrison teria incitado o público e supostamente mostrado o pênis, ainda reverberava.
Morrison respondia a um processo que se arrastou por mais de um ano por causa da performance polêmica, até que em novembro de 1970, o cantor foi julgado e condenado. O líder do The Doors foi considerado culpado e condenado a seis meses de prisão e a trabalhos forçados, mais pagamento de multa. Contudo, seus advogados recorreram da sentença, e Morrison foi libertado após pagar uma multa de US$ 50 mil. Ainda assim, isso não livrou os Doors de dissabores.
Em dezembro de 1970, quando os Doors iniciaram o processo de gravação de um novo álbum, surgiu um novo problema. O produtor Paul A. Rothchild (1935-1995) e a banda se desentenderam, quando o processo de gravação do novo disco já havia sido iniciado, no estúdio Sunset Sound Recorders, em Los Angeles. Três músicas haviam sido gravadas: “L.A.Woman”, “Riders On The Storm” e “Love Her Madly”. Rothchild não estava satisfeito com a abordagem da banda. Afirmou que “Riders On The Storm” era “música de coquetel” e que “Love Her Madly” era um retrocesso criativo do quarteto. Outras insatisfações de Rothchild eram os atrasos de Morrison nos ensaios e o vício descontrolado do cantor em álcool e drogas.
As insatisfações de Paul A. Rothchild com Morrison tinham fundamento. O produtor ainda estava abalado com a morte da amiga Janis Joplin, dois meses antes. Rothchild foi o produtor de Pearl, considerado o melhor álbum de Joplin. Ele temia que Morrison tivesse o mesmo fim que o da cantora texana. Percebendo que as coisas pareciam não ter mais jeito, Rothchild preferiu abandonar o projeto e recomendou o engenheiro de som, Bruce Botnick, para assumir a produção do novo disco.
Botnick já tinha intimidade com os Doors: trabalhou como engenheiro de som em todos os álbuns anteriores da banda. Para o novo álbum, Botnick e Doors decidiram atuar juntos na produção, e definiram como proposta musical um retorno da banda às suas raízes calcadas no blues.
Além disso, ao invés de gravarem o novo álbum num estúdio convencional, optaram em gravar no local onde os Doors costumavam ensaiar, num prédio no Santa Monica Boulevard, em Los Angeles. O espaço foi todo improvisado para um estúdio de gravação. Uma mesa de mixagem que pertencia à Elektra Records, foi instalada no primeiro andar do prédio. O térreo foi todo adaptado para as gravações, inclusive o banheiro, que virou uma espécie de cabine para Jim Morrison gravar a sua voz. Todo o processo de gravação foi feito ao vivo no estúdio, com poucos takes e overdubs, para assim manter uma crueza no álbum.
As novidades nessas gravações foram as presenças do guitarrista Mark Benno, para fazer as guitarras rítmicas. Beno já havia trabalho com vários artistas, dentre eles Leon Russell. A outra era de Jerry Scheff, baixista da banda Elvis Presley. Jim Morrison ficou comovido com a presença de Scheff, já que era um fã do mito Elvis Presley.
Sessão de gravação do álbum L.A.Woman, da esquerda para a direita: Mark Benno, Jerry Scheff, Ray Manzarek e Jim Morrison. |
Os Doors nunca tiveram baixista na sua formação. Essa função era improvisada por Ray Manzarek fazendo as linhas de baixo com a mão esquerda nos teclados. No entanto, a partir de Morrison Hotel, a banda passou a recrutar baixistas para as gravações. Em Morrison Hotel, os Doors contaram com a participação de dois baixistas convidados, Lonnie Mack (que tocou nas faixas “Roadhouse Blues” e “Maggie M'Gill”) e Ray Neapolitan que tocou em todas as outras faixas restantes.
Lançado em 19 de abril de 1971, o sexto álbum de estúdio dos Doors foi batizado de L.A. Woman, que é também título de uma das faixas presentes no disco. Na prática, os Doors deram em L.A. Woman, prosseguimento ao que foi desenvolvido em Morrison Hotel, ao focar num som mais cru e voltado para o blues. Mas em L.A. Woman, a banda foi um pouco mais além, e chegou a flertar com uma sonoridade mais funky. O que se percebe neste disco, é que a presença de um baixista de ofício, e sobretudo, da performance de Jerry Scheff, deu mais volume, mais “musculatura” ao som dos Doors, a tal ponto de Scheff ser uma espécie de “quinto Door”.
A capa de L.A. Woman traz pela primeira vez, alguns elementos até então inéditos dos discos dos Doors. Mostra os integrantes da banda alinhados, exceto Jim Morrison mais abaixo que os outros colegas de banda, e barbudo: era primeira vez que Morrison aparecia com barba na capa de disco dos Doors. O nome da banda aparece sem o artigo “the” e sem o seu costumeiro logotipo. Tanto o nome do grupo quanto o título do álbum estão com a mesma fonte.
L.A. Woman começa com a surpreendente “The Changeling”, uma música com uma balanceado tolamente funk ao estilo James Brown. A linha de baixo é vigorosa, a bateria é firme e a guitarra é cheia de efeitos de pedais wah-wah. O órgão executado por Ray Manzarek, faz uma base de fundo bastante consistente, e ao mesmo tempo apresenta uma incrível variedade melódica. Jim Morrison, ao final canta aos berros “change!” extraindo uma voz desesperado do fundo da alma.
A faixa seguinte é “Love Her Madly”, a contestada canção por Paul Rotchild e um dos fatores motivadores ao produtor se afastar da produção do disco. A canção é um pop rock simples, radiofônico, cuja letra foi escrita por Robby Krieger, inspirada na sua relação conjugal com sua namorada (depois esposa) Lynn Krieger, e trata sobre amor e insegurança. Na época, quando o casal se desentendia, Lynn costumava sair furiosa batendo a porta, daí o verso: “Don't you love her ways? /Tell me what you say./Don't you love her as/She's walkin' out the door?” (“Você não ama o jeito dela? / Conte-me o que você tem a dizer / Você não a ama enquanto ela / Sai por aquela porta?”).
“Been Down So Long” foi inspirada no livro Been Down So Long It Looks Up To Me, do cantor de folk music, Richard Fariña, e pela canção “I will Turn You Money Green”, de Funny Lewis. Morrison escreveu a letra motivado pelas prisões e pelos processos judiciais que respondia por causa do “incidente em Miami”, em março de 1969. No blues arrastado “Cars Kiss By My Windown”, Morrison faz uma curiosa imitação, com a própria voz, de um solo de gaita de blues, numa performance incrível.
The Doors em 1971, da esquerda para a direita: Jim Morrison, Ray Manzarek, John Desmore e Robby Krieger. |
Faixa que dá nome ao álbum, “L.A. Woman” é a mais longa das dez faixas: cerca de sete minutos e quarenta e nove segundos. A música é dedicada a Los Angeles, cidade onde a banda The Doors foi formada e que adotou Jim Morrison, quando esteve veio da Flórida. Nos versos escritos por Morrison, o autor descreve a cidade como uma mulher e vice-versa, ou como se duas coisas fossem uma só: “I see your hair is burnin' / Hills are filled with fire / If they say I never loved you / You know they are a liar” (“Vejo que seu cabelo está queimando / Os morros estão cobertos de fogo / Se eles disserem que nunca te amei / Você sabe que eles são uns mentirosos”). A letra ainda descreve a vida noturna e o lado obscuro de Los Angeles. Ao final da música, Jim Morrison fez um anagrama com o seu nome, fazendo um jogo com as silabas, invertendo-as de posição, gerando a palavra “Mr. Mojo Risin”. À medida que o ritmo da música acelera, Morrison pronuncia berra o anagrama cada vez mais alto.
“L’America” foi composta especialmente para a trilha sonora do filme Zabriskie Point (1970), do diretor Michelangelo Antonioni, porém foi recusada. Faixa mais experimental de L.A. Woman, “L’America” possui um andamento tenso, em que a bateria dita um ritmo de marcha militar, acompanhado pelo baixo e pela guitarra.
Inspirada na lenda da mitologia grega Apolo e Jacinto, “Hyacinth House” escrita por Morrison onde o líder dos Doors traça uma crítica aos falsos amigos e bajuladores: “I need a brand new friend who doesn't bother me / I need a brand new friend who doesn't trouble me / I need someone and who doesn't need me” (“Eu preciso de um novo amigo que não me incomode / Eu preciso de um novo amigo que não me atrapalhe”). Eu preciso de alguém que não precise de mim. O fato de ser um astro do rock, Morrison certamente deveria ter algumas pessoas que estavam ao seu apenas pra tirar proveito da sua fama. Destaque fica para o solo de órgão executado por Ray Manzarek, tocando um trecho da “Polonesa, Op.53”, de Frédéric Chopin (1810-1849).
Os membros dos Doors sempre foram admiradores do blues antigo, especialmente Jim Morrison, que era fã de mestres como Muddy Waters e Howlin’ Wolf. Para o álbum L.A. Woman, a banda regravou “Crawling King Snake” um blues originalmente gravado em 1941 por Big Joe Williams, e desde então foi regravada por vários artistas. Em 1949, foi gravada por John Lee Hooker, e foi por causa dessa versão de Hooker que os Doors a regravaram, seguindo um estilo bem rústico.
Big Joe Williams (foto) fez a primeira gravação de "Crawling King Snake" em 1941. Trinta anos depois, ganhou uma versão dos Doors para o álbum L.A.Woman. |
“The WASP (Texas Radio And The Big Beat)” é baseada num poema escrito por Jim Morrison em 1968, e que ele costumava recitar nos shows dos Doors. A banda decidiu adaptá-la para o álbum, com um arranjo onde Morrison recita um trecho e depois cantando o restante dos versos. Os versos seriam uma homenagem a rádios piratas mexicanas dos anos 1960.
O álbum encerra com a fantástica “Riders On The Storm”, a segunda mais longa do álbum. A banda teve como inspiração uma cantiga canção country “Ghost Riders In The Sky” composta em 1948 por Stan Jones, e que desde então, teve várias regravações. Foi outra das músicas que criaram um estremecimento na relação entre os Doors e o produtor Paul A. Rothschild, que classificou “Riders On The Storm” de “música de coquetel”. Os Doors, mais o baixista Jerry Scheff, numa performance jazzística, executam uma base instrumental fantástica, que juntamente aos sons de chuva e trovão, dão ao ouvinte um clima cinematográfico à música, e ao mesmo tempo, de melancolia.
L.A. Woman foi bem avaliado pela crítica, e ao longo do tempo seu prestígio só cresceu. O álbum chegou ao 9º lugar na Billboard 200, nos Estados Unidos, enquanto que no Reino Unido ficou em 28º lugar na parada de álbuns. No mercado fonográfico americano, L.A. Woman vendeu mais de 3 milhões de cópias.
Em março de 1971, durante o processo de mixagem de L.A. Woman, Jim Morrison anunciou que estava indo para Paris. Sua namorada, Pamela Courson, já tinha ido na frente e estava à sua espera na capital francesa. Morrison parecia querer dar um novo sentido à sua vida, provavelmente na literatura. Aliás, Paris era um lugar bastante inspiradora, até porque foi uma cidade onde grandes nomes da literatura francesa viveram, como seria uma possibilidade para esse no rumo, ainda mais em Paris, cidade onde grandes nomes da Arthur Rimbaud, Charles Baudelaire e Honoré de Balzac.
Jim Morrison com sua namorada Pamela Courson, num café em Paris, cinco dias antes de sua morte. |
Infelizmente, se havia uma possibilidade de Jim Morrison deslanchar como escritor ou retornar aos Doors para os novos projetos, essa possibilidade acabou em 3 de julho de 1971. Nesse, Morrison foi encontrado morto na banheira do apartamento em que estava morando com Pamela, em Paris. Sua morte é cercada de mistérios e de incertezas. Não houve autopsia, o funeral foi mantido em segredo, levando a uma infinidade de especulações, inclusive a de que ele não teria morrido, mas sim assumido uma outra identidade para se livrar do mundo das celebridades. O que se sabe que um relatório médico pontou que Jim Morrison morreu de uma parada cardíaca. Teria sido overdose? Talvez. O corpo de Morrison foi sepultado no cemitério de Père-Lachaise, em Paris. Seu túmulo é um dos mais visitados daquele cemitério.
Os Doors ainda tentaram seguir em frente como um trio, com Ray Mamzarek e Robby Krieger se revezando nos vocais. Chegaram a lançar dois álbuns, Other Voices, lançado em outubro de 1971, e Full Circle em julho de 1972. Nesse mesmo ano, a banda anunciou o seu fim.
Três anos depois, em abril de 1974, Pamela Courson, a ex-namorada de Jim Morrison, morreu de overdose de heroína, em Los Angeles, aos 27 anos.
Faixas
Todas as músicas escritas pelo Doors, exceto onde indicado.
Lado 1
- "The Changeling"
- "Love Her Madly"
- "Been Down So Long"
- "Cars Hiss by My Window"
- "L.A. Woman"
Lado 2
- "L'America"
- "Hyacinth House"
- "Crawling King Snake" (John Lee Hooker)
- "The WASP (Texas Radio and the Big Beat)"
- "Riders on the Storm"
The Doors
Jim Morrison (vocais)
Ray Manzarek (órgão Hammond nas faixas 1, 7 e 9; piano tack nas faixas 2 e 5;órgão Vox Continental na faixa 2:, guitarra base na faixa 3 e 6; piano elétrico Wurlitzer na faixa 8; Piano elétrico Rhodes nas faixas 5 e 10)
Robby Krieger (guitarra solo)
John Densmore (bateria)
Músicos adicionais
Jerry Scheff (baixo elétrico)
Marc Benno (guitarra base nas faixas 3, 4, 5 e 8)
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