O ano de 1969 foi marcado por muitos dissabores que quase puseram fim ao The Doors. Em março daquele ano, durante um show da banda californiana no Dinner Key Auditorum, em Miami, o vocalista Jim Morrison (1943-1971) se meteu na maior confusão da sua vida: ele teria mostrado o seu órgão genial para o público presente, estimado em 12 mil pessoas. O caos se instalou no local, e Morrison foi preso e respondeu a um processo que iria se arrastaria por pouco mais de um ano. As consequências do ato do líder do The Doors custaram caro à banda: o cancelamento de vários shows. Jim Morrison já era conhecido pelas confusões em que se metia, como bebedeiras e ataques de estrelismo, mas o “Caso Miami”, como ficou conhecido, foi a gota d’água.
Como se isso não bastasse, o quarto álbum do grupo, Soft Parade, lançado em julho de 1969, foi mal recebido pela crítica, que não digeriu muito bem o fato da banda ter feito uso de naipe de metais e cordas. Na compreensão dos críticos musicais, tais recursos teriam descaracterizado o som dos Doors. Para completar, nem mesmo o público parecia ter acolhido aquele álbum, pois comercialmente, Soft Parade foi um fracasso em vendas.
Embora o impacto do “Caso Miami” tenha provocado uma série de cancelamentos de shows dos Doors, felizmente, algumas apresentações conseguiram ser confirmadas como as de uma turnê em meados de 1969, começando por Chicago, nos Estados Unidos, passando por outras cidades norte-americanos, e se estendendo por Cidade do México e duas cidades no Canadá. Talvez ressabiado pela repercussão do que o ocorreu em Miami, Jim Morrison se mostrou nesta turnê um pouco mais comedido, ao menos no palco.
A gravadora Elektra tinha a intenção de lançar antes do fim do ano um álbum gravado ao vivo dos Doors, mas a ideia foi rechaçada pelos integrantes da banda. Eles preferiram preparar material inédito para um novo álbum de estúdio. Em novembro de 1969, os Doors entraram em estúdio para gravar o novo álbum, sob a produção de Paul A. Rothchild (1935-1995), o mesmo produtor dos álbuns anteriores do quarteto. Para o novo trabalho, a banda optou em resgatar a sua musicalidade mais crua e com uma inclinação voltada para o blues, e assim se afastando da sonoridade “polida” e orquestral de Soft Parade.
O incompreendido Soft Parade. |
Para ilustrar a capa, os Doors foram fotografados por Henry Diltz num modesto hotel do centro de Los Angeles, que por coincidência, chamava-se Morrison Hotel. A foto da capa foi tirada sem permissão do estabelecimento. Numa distração dos funcionários do hotel, os quatro membros da banda entraram e posicionaram atrás da vitrine do hotel, e rapidamente foram fotografados por Diltz. Para a contracapa, optaram por uma foto do bar Hard Rock Cafe.
Batizado com o nome do hotel onde a banda fez a foto da capa, Morrison Hotel foi lançado em 9 de fevereiro de 1970. Outra curiosidade a respeito do álbum, é que na versão LP, ao invés dos lados serem identificados como 1 e 2 ou A e B, foram identificados como Hard Rock Cafe no primeiro lado, e Morrison Hotel para o segundo lado. Neste álbum, os Doors contaram com a participação de dois baixistas convidados, Lonnie Mack, que toca nas faixas “Roadhouse Blues” e “Maggie M'Gill”, e Ray Neapolitan que toca em todas as outras faixas restantes.
Abrindo o primeiro lado do álbum, o Hard Rock Cafe, “Roadhouse Blues”, simplesmente um blues rock fantástico de tirar o fôlego. Jim Morrison canta de maneira agressiva, enquanto que Robbie Krigger dispara riffs distorcidos de guitarra, e Ray Manzarek desliza de maneira magistral os seus dedos num piano de cauda como se estivesse naqueles típicos bares americanos onde se assiste blues ao vivo. A “cereja do bolo” é a gaita de boca (harmônica) tocada por um tal de Giovanni Pugliesi, que na verdade é o pseudônimo de John Sebastian, ex-vocalista da The Lovin’ Spoonful, e que não pode usar seu nome verdadeiro por razões contratuais.
“Waiting For The Sun” foi sobra de estúdio do álbum homônimo, lançado pelos Doors em 1968, mas acabou ficando de fora, mas que foi incluída em Morrison Hotel. A balada une elementos de psicodelia a uma sonoridade pesada. O piano de Ray Manzarek e a bateria de John Densmore conduzem o ritmo alegre do blues rock “You Make Me Real”, que possui um riff desconcertante de guitarra de Robby Krieger.
Um desavisado que não conhece os Doors, ao ouvir o riff de guitarra que abre a faixa seguinte, por um instante vai pensar que é “Smells Like Teen Spirit”, do Nirvana, mas na verdade trata-se de “Peace Frog”, uma música que possui um ritmo suingado e puxado para o funk. Robby Krieger executa riffs de guitarra com efeitos de pedal wah-wah. “Blue Sunday” é uma balada de letra romântica em que Jim Morrison diz que encontrou o seu amor verdadeiro num triste domingo. “Ship Of Fools” encerra o primeiro lado de Morrison Hotel. Nesta faixa, o destaque fica para o órgão elétrico tocado por Ray Manzarek, que está “onipresente” em toda a música.
The Doors durante as sessões de fotos para capa de Morrison Hotel. |
O segundo lado do álbum, chamado de Morrison Hotel, começa sob o ritmo “cavalgado” de “Land Ho!”, uma música que possui uma sutil inclinação para a country music. “The Spy” é um blues que possui um arranjo impecável e arrojado, que traz o piano elegante de Manzarek e a bateria lenta e jazzística de Densmore. Em “Queen Of The Highway”, Ray Manzarek toca um piano elétrico, um Wurlitzer 140B (instrumento que ganharia mais visibilidade nos anos 1970 através de bandas como Supertramp), enquanto que a linha de baixo robusta de Ray Neapolitan faz uma bela parceria com a bateria de John Densmore.
“Indian Summer” é mais uma sobra de estúdio presente em Morrison Hotel, uma canção gravada durante as sessões de gravação do primeiro e homônimo álbum dos Doors, lançado em 1967. É uma música que destoa completamente do conjunto do álbum, e que se não fosse incluída, não faria falta.
Fechando Morrison Hotel, o blues rock “Maggie M’Gill”, onde Robby Krieger faz um riff de guitarra vibrante.
Ao contrário de Soft Parade, a recepção de Morrison Hotel perante a crítica musical foi bastante positiva. Ela viu com bons olhos a reorientação musical que os Doors fizeram no novo álbum. O público também reagiu bem a Morrison Hotel: o álbum chegou ao 4º lugar na parada da Billboard 200, nos Estados Unidos, e alcançou a marca de 1 milhão de cópias vendidas. O bom desempenho comercial do álbum contribuiu para a melhora da agenda de shows dos Doors, entre uma audiência e outra de Jim Morrison, que ainda respondia processo pelo incidente ocorrido em Miami, em março de 1969.
Em julho de 1970, era lançado o primeiro álbum gravado ao vivo dos Doors, o álbum duplo Absolutely Live, 8ª lugar na parada de álbuns da Billboard 200, nos Estados Unidos, onde vendeu 1 milhão de cópias. Surfando no bom êxito de Morrison Hotel, os Doors se apresentaram no mês seguinte no Festival da Ilha de Wight, que dentre outras grandes estrelas da música, se apresentaram também Jimi Hendrix, The Who e Joni Mitchell. Em dezembro do mesmo ano, quando começaram as sessões de gravação do próximo álbum de estúdio, por causa de divergências com os Doors, o produtor Paul A. Rothchild rompe com a banda e abandona a produção do novo álbum. O quarteto e o engenheiro de som Bruce Botnick, conduziram a produção do novo material.
The Doors no Festival da Ilha de Wight, em agosto de 1970. |
L.A. Woman, sexto álbum dos Doors, é lançado em abril de 1971, e mantém o foco da banda direcionado ao blues e ao rock. O álbum foi 9º lugar na Billboard 200, nos Estados Unidos, e 28º lugar no Reino Unido. O que ninguém sabia era que esse álbum seria o último que Jim Morrison gravou com os Doors. Em julho daquele ano, Morrison morreu em circunstâncias misteriosas, aos 27 anos de idade, em Paris.
Faixas
Lado A – Hard Rock Cafe
- “Roadhouse Blues” (Morrison - Doors)
- “Waiting For The Sun” (Morrison)
- “You Make Me Real” (Morrison)
- “Peace Frog” (Morrison - Krieger)
- “Blue Sunday” (Morrison)
- “Ship of Fools” (Morrison - Krieger)
Lado B - Morrison Hotel
- “Land Ho!” (Morrison - Krieger)
- “The Spy” (Morrison)
- “Queen Of The Highway” (Morrison - Krieger)
- “Indian Summer” (Morrison - Krieger)
- “Maggie M’Gill” (Morrison - Doors)
The Doors: Jim Morrison (vocal, maracas , pandeiro), Ray Manzarek (piano de cauda nas faixas 3 e 8, órgão Gibson G-101 nas faixas 2 e 5, órgão Vox Continental nas faixas 4, 6, 7 e 10, piano nas faixas 1 e 8, piano elétrico Wurlitzer 140B na faixa 9, Fender Rhodes Piano Bass na faixa 10, Hammond C-3 órgão na faixa 11, RMI Electra Piano na faixa 2), Robby Krieger ( guitarra ) e
John Densmore (bateria).
“Roadhouse Blues”
“Waiting For The Sun”
“You Make Me Real”
“Peace Frog”
“Blue Sunday”
“Ship of Fools”
“The Spy”
“Queen Of The Highway”
“Indian Summer”
“Maggie M’Gill”
“Roadhouse Blues” (videoclipe original)
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