Ouvindo Person Pitch, a sensação é a de rodopiarmos num carrossel, como se tivéssemos outra vez quatro anos: cor, leveza, deslumbramento, medo.
Noah Lennox é Panda Bear, baterista dos Animal Collective e o seu bicho mais criativo. Em 2004, apaixona-se por uma portuguesa (quem nunca?), decidindo, sem mais delongas, mudar-se para Lisboa. Não fora a alfândega confiscar a guitarra de Noah, nunca teria acontecido a magia de Person Pitch: Lennox começa a experimentar com samples, acabando por basear o grosso do novo disco num intrincado jogo de corte e cola. A criatividade não é geometria descritiva: deve sempre qualquer coisa ao mistério e ao acaso.
A arte do sampling convida à repetição; Person Pitch é feito de loops. A sensação é a de rodopiarmos num carrossel, como se tivéssemos outra vez quatro anos (cor, leveza, deslumbramento, medo). Muitos dos “sons encontrados” são também circulares (carros de fórmula Um correndo na pista, máquinas de lavar roupa girando melancólicas). Cada volta é diferente: o loop como um organismo vivo em permanente mutação.
Por cima deste jogo de espelhos, surge a voz de Noah, límpida e pura como um Brian Wilson pós-internet. Voz, não, vozes, pois Lennox desdobra-se em muitos, harmonizando consigo próprio (um só rapaz contendo todos os Beach Boys). O nome Panda Bear nada tem de irónico: há, de facto, uma inocência de peluche na sua voz. Houvera uma escala de perversidade rock’n’roll, Lemmy seria o grau máximo, Panda o zero absoluto.
O seu canto, ensopado em reverb, traz o eco das igrejas de Lisboa. Os místicos encontrarão cânticos panteístas pelo milagre do mundo (bah!, morte à new age!). Nós, menos arrebatados, sabemos que tudo são truques engendrados pelo cérebro mas nem por isso conseguimos resistir à letargia peganhenta das vozes de Noah. Um convite irrecusável ao sonho e à fantasia…
Se nos discos anteriores (quer em nome próprio, quer como Animal Collective), Lennox escondera muito bem os seus dotes melódicos, em Person Pitch a sua sensibilidade pop sai finalmente do armário (mas sempre de mãos dadas com uma deliciosa estranheza vanguardista).
Noah chega a ser quase dogmático neste princípio de oposição permanente: para compensar o açúcar mascavado de “Comfy in Nautica” (quase um cântico Hare Krishna, por amor de Deus!), Lennox sente a necessidade de adicionar um epílogo sinistro. Agora, sim, há luz e escuridão, o universo regressando ao equilíbrio primordial.
Quando no início do novo milénio apareceram bandas como os White Stripes e os Interpol, regozijámos com a nova vitalidade do indie mas receámos que as suas inclinações retro nos empurrassem para um beco sem saída. Ora Person Pitch não cai nesta armadilha, fazendo a linguagem do rock avançar e influenciando bandas como os Grizzly Bear e os Fleet Foxes. Como? Da maneira que a música sempre avança: tornando-se impura, chafurdando sem pudor em outras tradições (neste caso, roubando o corte e cola ao hip-hop e a repetição à electrónica).
Os próprios Animal Collective seguiriam as pistas lançadas por Person Pitch, com discos mais electrónicos e melódicos (Strawberry Jam, Merriweather Post Pavilion), doçura e dissonância em partes iguais. É sempre nestes territórios fronteiriços, onde a ordem e o caos confluem, que as coisas começam a ficar interessantes.
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