Um disco incompreendido na época mas redescoberto pela geração seguinte. “Coro das Velhas” e “Quimera do Ouro” são incontornáveis.
Godinho é um tipo urbano. Gosta da azáfama das grandes cidades, da bênção de se poder estar só no meio da multidão. Porém, faz o exercício contrário em Salão de Festas: celebra o imaginário rural e inspira-se na música folclórica. Este caminho já tinha sido aflorado na trilogia Pano-Cru, Campolide e Canto da Boca mas só agora é levado até às últimas consequências.
O tema-título define o tom de festa de aldeia que atravessa o disco. A cadência da voz tem uma riqueza rítmica tal que quase parece uma bateria (as sílabas são disparadas em rajadas rápidas, riscando no chão uma dança). A tradição não tem aqui o peso dos séculos mas sim a leveza atrevida da dona Adosinda do “Coro das Velhas”. Godinho ama o bulício da cidade mas despreza a arrogância de quem diz: “pobrezinho do campónio, não tem cultura”. Não há essa coisa de “não cultura”, toda a gente tem a sua sabedoria, seja erudita ou oral, e é contra estas hierarquias que Salão de Festas se bate.
O anti-elitista Salão de Festas foi incompreendido na época mas bandas como os Diabo na Cruz viriam buscar aqui inspiração para o seu “roque popular”. Os filtros podem ser diferentes – o jazz em Salão de Festas e o rock apunkalhado em Jorge Cruz – mas a essência é a mesma: manter a tradição acesa, reinventando-a. O velho e o novo encontrando-se no mesmo convite: vai um pezinho de dança?
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