Em meados de 1969, o Deep Purple vivia uma crise interna. Com um ano de carreira e dois álbuns no currículo, a banda inglesa havia lançado em junho daquele ano o seu terceiro e autointitulado álbum. O lançamento ocorreu num momento em que três membros do Purple viviam uma insatisfação com o som da banda: o guitarrista Ritchie Blackmore, o tecladista John Lord e o baterista Ian Paice. Blackmore, Lord e Paice queriam redirecionar a música da banda para uma sonoridade mais pesada e agressiva, uma tendência que ganhava força naquele final de anos 1960 e que daria origem ao hard rock. Buscavam algo semelhante ao que o Led Zeppelin estava desenvolvendo na época.
Deep Purple em sua primeira formação, chamada de "Mark I". Da esquerda para direita: Ritchie Blackmore, Ian Paice, Rod Evans, Nick Simper e John Lord (à frente). |
O descontentamento de Blackmore, Lord e Paice acabou culminando com a saída do vocalista Rod Evans e do baixista Nick Simper, dias após o recém-lançado terceiro álbum chegar às lojas. Os dois pareciam não se encaixar nos planos de Blackmore, Lord e Paice para o Deep Purple. No lugar de Evans e Nick Simper, entraram Ian Gillan e Roger Glover, respectivamente vocalista e baixista vindos da Episode Six, uma banda pop psicodélica de Londres. Os dois haviam recebido o convite de Blackmore, Lord e Paice para integrarem o Deep Purple, depois que os três assistiram a uma apresentação da Episode Six. Teriam ficado impressionados com o potencial vocal de Gillan. Como precisavam de um baixista novo, Glover foi indicado pelo próprio Gillan. Quando fizeram o convite aos dois membros da Episode Six, Evans e Simper ainda faziam parte do Deep Purple. Ou seja, os novos integrantes já estavam definidos antes mesmo que os antigos deixassem a banda.
Com Ian Gillan (vocais), Roger Glover (baixo), Ritchie Blackmore (guitarra), John Lord (teclados) e Ian Paice (bateria), o Deep Purple estava com a sua formação clássica montada, também conhecida como "Mark II". A banda logo se concentrou numa série de ensaios e na preparação de material para um novo álbum, fazendo um ou outro show eventual.
Deep Purple em sua formação clássica, a "Mark II":Roger Glover, Ritchie Blackmore, Ian Gillan, John Lord e Ian Paice. |
Porém, em setembro de 1969, a banda interrompeu os ensaios para participar de um projeto de John Lord, o Concerto for Group and Orchestra, que consistiu numa apresentação do Deep Purple com a Royal Philharmonic Orchestra, sob a regência do maestro Malcolm Arnold, no Royal Albert Hall, em Londres. A performance, gravada ao vivo, foi lançada em disco em dezembro de 1969. Foi o primeiro álbum gravado com a formação clássica do Deep Purple, ainda que não fosse um trabalho exclusivo da banda inglesa. No entanto, o grande público pode conferir o Deep Purple com uma nova configuração, tanto na sua formação como na sua música, agora mais pesada e agressiva, destacando o extenso poder vocal de Ian Gillan. A partir de outubro de 1969, o Deep Purple entrou em estúdio para gravar o seu quarto álbum, o primeiro da banda com a nova formação. As sessões de gravação se estenderam até abril de 1970.
Deep Purple e o maestro Malcolm Arnold. |
Em 3 de junho de 1970, In Rock, também chamado de Deep Purple In Rock, foi lançado. O álbum mostra um completo entrosamento entre o som do baixo de Roger Glover com a bateria de Ian Paice, os solos e riffs de guitarra de Ritchie Blackmore mais poderosos do que nunca, as belas camadas de teclados de John Lord “forrando” a massa sonora da banda, e Ian Gillan totalmente à vontade soltando os seus extensos e escandalosos vocais. A capa do álbum é uma recriação do famoso Monte Rushmore, em Keystone, na Dakota do Sul, Estados Unidos. Os rostos dos presidentes dos Estados Unidos, George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln, dão lugar aos dos membros do Deep Purple.
Monte Rushmore: inspiração para a capa do álbum In Rock. |
Para ajudar a promover In Rock, a gravadora lançou dois dias depois do álbum ser lançado, o single de “Black Night”, faixa gravada em maio 1970, após a conclusão das gravações do novo álbum. “Black Night” possui curiosamente uma base muito parecida com a de “(We Is Not Got) Nothin 'Yet”, sucesso da banda pop psicodélica Blues Magoos, de 1966. Esta por sua vez, teve sua base totalmente centrada no riff de guitarra de “Summertime”, de Rick Nelson, de 1962. Ou seja, uma espécie de “cópia da cópia”.
Little Richard: homenageado em "Speed King". |
Apesar do seu potencial e de ter a função de promover In Rock, “Black Night” ficou de fora do álbum, porém foi incluída na edição especial de 25 anos do álbum, em 1995. Já o lado B do single, que traz a música “Speed King”, foi incluída e é ela quem abre o álbum In Rock com uma introdução caótica, uma explosão sonora onde solos de guitarra e viradas de bateria se confundem, dando lugar depois a uma calmaria estabelecida por um pano de fundo feito pelo órgão Hammond de John Lord. Após a calmaria, o hard rock começa violentamente aos berros de Ian Gillan. Na metade da música, há um diálogo improvisado em tom jazzístico entre o órgão Hammond de Lord com a guitarra de Blackmore para em seguida, Gillan retornar a cantar de maneira visceral sobre uma base instrumental demolidora. “Speed King” é uma homenagem aos primórdios do rock’n’roll, em especial a Little Richard, trazendo nos seus versos, citações a três grandes sucessos do artista como “Good Golly Miss Molly” (“Good Golly, said little Miss Molly”), “Tutti Frutti” (“Tutti Frutti was oh so rooty...”) e “Lucille” (“Lucille was oh so real...”).
A faixa seguinte é “Bloodsucker”, um hard rock onde num dado momento, bateria, baixo e guitarra fazem uma espetacular linha rítmica simultânea. Gillan solta voz que vem do fundo das suas entranhas. Fechando o lado A, a longa “Child In Time”, a mais fantástica faixa de In Rock. Sua introdução foi inspirada em “Bombay Calling”, hit da obscura banda psicodélica Its’s A Beautiful Day, de 1969. Com um texto que fala sobre guerra, “Child In Time” apresenta um das mais incríveis performances de Ian Gillan no Deep Purple, uma canção que exigiu dele todo o seu potencial vocal.
Parte interna da capa dupla de In Rock trazendo as letras das músicas e ficha técnica do álbum. |
O hard rock “Flight Of The Rat” abre o lado B de In Rock. No meio da faixa, John Lord faz um solo de orgão Hammond no qual parece querer explorar toda a capacidade do instrumento. Depois é a vez de Blackmore usar de toda a sua habilidade e virtuosismo no solo de guitarra. A música se encerra com um incrível solo de bateria de Ian Paice. A velocidade de “Flight Of The Rat” é sucedida pelo andamento lento e pesado de “Into The Fire”. Com um refrão berrado aos quatro ventos por Ian Gillan, “Into The Fire” é outra faixa do álbum que tem uma introdução inspirada em música de outros artistas. O Purple teria tido como referência a música “21 At Century Schizoid Man”, sucesso do King Crimson de 1969 para a introdução de “Into The Fire”. Em “Living Wreck”, uma bateria solitária dá início à música, num volume baixo, mas que vai aumentando gradativamente. Logo em seguida, bateria, baixo e guitarra ditam um ritmo dançante e interessante que vai dar o tom por toda a música.
Capa do semanário inglês New Music Express, de 13 de junho de 1970, trazendo propaganda do álbum In Rock. |
“Hard Lovin’ Man” encerra In Rock num ritmo galopante que parece antecipar o que o Iron Maiden faria anos mais tarde. John Lord faz solos devastadores no seu órgão Hammond, enquanto o baixo, guitarra e bateria garantem a retaguarda. Depois é a vez de Blackmore mostrar a sua destreza ao solar a sua guitarra. Ian Paice soca a sua bateria como um tanque de guerra, enquanto Ian Gillan solta o seu canto alucinadamente. A música termina com o som da guitarra agonizante de Blackmore.
In Rock alcançou o primeiro lugar nas paradas de álbuns da Alemanha e da Áustria, e quarto lugar na parada britânica. O lançamento do álbum foi seguido por uma turnê mundial, intitulada In Rock World Tour que começou em julho de 1970 e terminou em outubro de 1971 passando pelo Reino Unido, Alemanha, França, Noruega Suécia, Dinamarca, Holanda, Suíça, Áustria, Itália, Islândia, Luxemburgo, Canadá, Estados Unidos e Austrália.
Com In Rock, o objetivo inicial pretendido por Ritchie Blackmore, John Lord e Ian Paice foi alcançado, e pôs o Deep Purple em pé de igualdade com outras bandas de rock pesado da época. O álbum abriu caminho para uma sequência de trabalhos de alto nível da fase clássica do Purple como Fireball (1971), Machine Head (1972) e Who Do We Think We Are (1973) e que definiriam parâmetros do hard rock e do nascente heavy metal.
Faixas
Lado A
- "Speed King"
- "Bloodsucker"
- "Child In Time"
Lado B
- "Flight Of The Rat"
- "Into The Fire"
- "Living Wreck"
- "Hard Lovin' Man"
Todas as faixas são de autoria de Ritchie Blackmore, Ian Gillan, Roger Glover, Jon Lord e Ian Paice.
Deep Purple: Ian Gillan (vocal), Ritchie Blackmore (guitarra), Roger Glover (baixo), Jon Lord (órgão e teclados) e Ian Paice (bateria).
Sem comentários:
Enviar um comentário