terça-feira, 6 de junho de 2023

Resenha Remixes Álbum de Kraftwerk 2020 Compilação

 

Resenha

Remixes

Álbum de Kraftwerk

2020

Compilação

Álbuns / coletâneas de remixes contumam ser o que existe de mais controverso quando o assunto é relançamento de catálogo na indústria fonográfica. É o equivalente, no meio musical ao campo minado - ou à roleta russa. A maior parte do público torce o nariz. Uma outra parte não deixa de comprá-los - e, nesse caso, são completistas que, via de regra, se incomodam mais com os buracos na coleção do que com a qualidade irregular do material. Apenas uma minoria tende a gostar. E a crítica musical, costumeiramente, tem por hábito detonar esse tipo de disco com toda fúria e ódio. 

Em se tratando de Kraftwerk, os padrinhos da dance music eletrônica, você até se pergunta qual o sentido de se incluir em sua discografia um LP só de remixes quando as versões originais lançadas há mais de quarenta anos já soavam modernas, atemporais e definitivas o suficiente. Mas se considerarmos que desde Tour De France Sountracks, de 2003, o quarteto alemão não solta nada inédito e que, de lá para cá, sua carreira vem se resumindo a turnês dedicadas ao velho catálogo, um disco inteiro de reconstruções / reinterpretações pode ter lá sua utilidade. Nesse caso em particular, só existem duas conclusões possíveis: ou as gravações oficiais seguem soando assustadoramente atuais, e em tal ponto que os remixes se parecem com tentativas fúteis e desnecessárias de upgrade, ou então fica claro que o Kraftwerk perdeu o trem e ficou para trás, a ponto de ter sido superado pela enorme legião de seguidores e imitadores que produziu. 

A primeira empreitada do Kraftwerk nesse tipo de projeto foi The Mix, de 1991. No final da década de 1980, os executivos da gravadora do grupo nos EUA haviam proposto aos Quatro Rapazes de Düsseldorf o lançamento de uma coletânea comum, uma espécie de The Best of Kraftwerk. Ralf Hütter, líder da banda, não era simpático a essa ideia. Todavia, como o Kraftwerk estava no meio do processo de transferência de sua biblioteca de sons para suportes digitais, Hütter ofereceu, como contraproposta, um disco de remixes feito por eles mesmos. O percussionista (e co-autor de várias músicas) Karl Bartos, que ainda estava com a banda na ocasião, até estava de acordo com Ralf, embora achasse que seria melhor um álbum com remixes feitos por outros produtores ou DJs, uma vez que a visão do quarteto já estava cristalizada nas mixagens originais. No entanto, foi Hütter quem ganhou a disputa. Bartos já havia deixado o Kraftwerk quando The Mix saiu e, mesmo tendo participado como programador em todas as faixas selecionadas, seu nome acabou não creditado no CD.

Kraftwerk Remixes, lançado inicialmente em 2020 apenas para plataformas de streaming e relançado no ano passado em mídias físicas (LP triplo e CD duplo), é o disco que Bartos tinha em mente, mas que não chegou a ser feito. Ou quase. Temos ainda vários remixes assinados pelo próprio Kraftwerk (usando a “tag" Kling Klang Mix), mas também temos faixas desconstruídas / reconstruídas por nomes de peso da cena eletrônica dos anos 1990 e 2000, como François K., William Orbit, Orbital e a banda inglesa Hot Chip. Entretanto, nenhum dos remixes é, de fato, inédito. Eles já tinham aparecido antes em singles editados nos formatos vinil de 12” e CD entre 1991 e 2021. O que faltava era um álbum que os reunisse. A faixa de abertura, “Non Stop”, desmente aqueles que por ventura digam que o disco não traz nada realmente novo. A canção nasceu, originalmente, como uma vinheta de 30 segundos para a MTV na década de oitenta. O que o Kraftwerk fez foi pegar esse pequeno pedaço de ideia musical e transformá-la numa faixa completa com mais de oito minutos de duração. Foi a estratégia encontrada pela banda para fisgar os fãs que já tinham os singles e que não viam sentido em comprá-los novamente, só que agora em um álbum caro. Então, “Non Stop” é tão somente isso, uma isca. Não é, de modo algum, uma faixa ruim, mas peca pela mesma baixa inspiração vista nas últimas (e poucas) coisas inéditas que a banda produziu em sua história recente. Mas “Non Stop” é seguida de dois bons remixes de “The Robots” (“Die Roboter”) de autoria do próprio Kraftwerk: “Robotronik" e “Robotnik”. Os mais atentos perceberão que versões ao vivo mais recentes de “The Robot” incorporam elementos dessas duas remixagens. Não há motivos para os fãs entortarem os lábios aqui, pois são recriações feitas pelos próprios criadores. E exatamente por isso elas não soam tão descaracterizadas quando comparadas com o mix original. Ainda no “Disk 1” (aqui estou a me basear na edição em vinil), temos, no lado B, um edit de 2021 da versão de “Home Computer” lançada trinta anos antes, em The Mix. Mas é também nesse lado que temos as primeiras recriações alheias: dois remixes para “Radioactivity”, uma com pegada techno produzida por William Orbit, e a outra com ares house (cortesia de François Kervokian, também conhecido como François K.). Entre as duas, escolho a segunda. O “Disk 2” é totalmente dedicado a remixes do single “Expo 2000”. A faixa nasceu como um jingle “a cappella” (à moda Kraftwerk, é claro, com a ajuda de um vocoder) feito de forma comissionada para a Feira Mundial Expo 2000, realizada em Hannover no mês de outubro de 2000. Em 1999, um ano antes, portanto, a banda colocou no mercado um single com uma versão musicalmente mais estruturada de “Expo 2000”, dividido em dois discos: um só com os remixes do próprio Kraftwerk e outro com as reconstruções alheias. Em Kraftwerk Remixes temos duas das versões da banda e outras cinco produzidas por Orbital, François K., Rob Hives, DJ Rolando e o coletivo Underground Resistance. É desse ponto em diante que o disco começa a se mostrar mais desequilibrado. O lado C desce redondo, enquanto o que o lado D traz versões um pouco mais cansativas. No “Disk 3” temos, no lado E, um combo de remixes de “Aéro Dynamik”. A versão “Dynamix”, do próprio Kraftwerk, conserva quase toda a atmofera da mixagem original, o que certamente agradará aqueles que não gostam de remixes muito radicais. Entretanto, os mixes seguintes, de Alex Gopher / Ètienne De Crécy e François K., só garantem boa digestão se você estiver se largando na pista de dança com uns dois tabletes de ecstasy nas ideias. Não é fácil ouvi-los em disco, no conforto da sua casa e de cara limpa. Felizmente, o lado F traz um redentor e, ao mesmo tempo, solar remix do Hot Chip para “Aéro Dynamik” (uma banda que costuma acertar a mão quando trabalha em cima do material de outros artistas). O grupo também é o nome por trás da faixa que encerra este Kraftwerk Remixes, o mix de “La Forme”. Aqui, inclusive, temos uma daquelas exceções à regra, que é quando o remix é superior à versão original, já que essa é uma das canções mais chatas e sem brilho do CD Tour De France Soundtracks. Se você nunca ouviu Kraftwerk na vida (mas como assim?!), não faz sentido algum começar por um disco de remixes. Já os completistas, aqueles sobre os quais falei no começo e que não admitem ausências em suas coleções, certamente terão um disco que não ficará na estante apenas para a exibição, pois tem material bom nele o suficiente para justificar uma volta no toca-discos, pelo menos de vez em quando. Como quase todas as coletâneas do gênero, Kraftwerk Remixes está longe de ser um item essencial. Mas, e com relação às “conclusões possíveis” mencionadas parágrafos acima? Digamos que ainda não foi desta vez que o Kraftwerk foi ultrapassado. Mas a fonte da banda, essa sim, parece ter secado há tempos.

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