quarta-feira, 7 de junho de 2023

Sérgio Godinho – Os Sobreviventes (1972)


Sérgio Godinho encontrou uma identidade própria logo no seu disco de estreia. “Que Força é Essa”, “O Charlatão” e “Maré Alta” perduram até hoje.

Em 1971, Sérgio Godinho está em Paris, pelo gosto de correr mundo e para se esquivar à Guerra Colonial. Participa como actor no musical “Hair”, aproveitando para recrutar músicos da sua banda residente para o seu primeiro disco. O baixo saltitante e a ocasional guitarra eléctrica ensopada em fuzz salpicam Os Sobreviventes com uns pozinhos de rock (“Maré Alta” é o caso mais flagrante).

Estes elementos anglo-saxónicos, por mais tímidos que sejam, marcam uma saudável emancipação face ao seu mestre José Afonso. Foi a sua paixão por Zeca que o fez aventurar-se pela música popular portuguesa mas, chegado ao seu álbum de estreia, Sérgio já tem uma voz própria. É ele o inconveniente arlequim, desmontando as hipocrisias do poder com as suas insolentes gargalhadas. A lenga-lenga rude de “A-A-E-I-O” anuncia, no fundo, o projecto estético de uma vida: morte à cultura armada ao pingarelho!

Em Paris, Sérgio conhece José Mário Branco, tornando-se amigos e cúmplices criativos. Os temas “O Charlatão” e “Cantiga da Velha Mãe e seus dois Filhos” foram escritos a meias: letras de Sérgio, música de José Mário. Apesar de não haver um produtor oficial, a sua pegada nos depurados arranjos é evidente: no piano trôpego de “Que bom que é”, nas palmas em contratempo de “O Charlatão”, na flauta épica de “Que Força é essa”. Temos saudades tuas, Zé Mário…

O conteúdo político de muitas das letras – sem nunca cair no mero panfleto – levou a que o disco tenha sido retirado das lojas, empurrando-o para o circuito clandestino. Mas Godinho sempre foi mais beatnik do que engajado e essa sua procura existencial pela estrada fora está bem patente em temas como “Romance de um dia na Estrada” e “Descansa a Cabeça (Estalajadeira)”. Os Sobreviventes é o disco de Sérgio que mais sabe a Kerouac, despertando em nós a vontade de andar por aí na corda bamba do mundo. Que o dia em que se não come é um dia menos para a morte…


 

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