Se Little Richard era o filho, e Elvis o espírito santo, Chuck Berry será sempre o pai. Devemos-lhe tudo.
Berry Is On Top, de ’59, diz-se terceiro álbum de estúdio mas mais parece um best of, tantos são os singles demolidores que colige: “Johnny B Goode“, “Roll Over Beethoven“, “Carol“, “Maybellene“, “Little Queenie“; isto não é um disco, é uma declaração de guerra!
Com uma estética dominada pela sua guitarra distorcida – quer no ritmo gingão, quer na bazófia dos solos -, Berry criou o idioma que ainda hoje é o do rock. A sua modernidade é incrível, com a guitarrada de abertura de “Johnny B Goode” a soar mais pesada do que muito rock pussy do século XXI.
Mais: escrevendo as suas canções, e driblando as palavras com desenvoltura, Chuck criou a matriz dominante a partir dos anos 60: rock é autenticidade, pá; faz-te um homem, mas’é, e escreve os teus próprios temas.
A nova música, o rock’n’roll, transbordava de vitalidade, tornando Tin Pan Alley um trapo obsoleto; mas também conseguia ser pueril quando queria: “be-bop-a-lula, she’s my baby” não é propriamente Shakespeare, convenhamos. Acontece que Chuck Berry faz a dobradinha, conciliando a rebeldia de Little Richard com a sofisticação literária de Cole Porter. A sua métrica fluida e sincopada, com jogos fonéticos e até palavras inventadas, sobem a fasquia artística da nova ordem para um novo patamar. Na década de 60, os Beatles e os Stones cobririam a parada.
Com as suas vinhetas da vida juvenil, escritas com humor e atenção ao detalhe, Berry ajudou os adolescentes de todo o país a definirem-se enquanto geração, a primeira a ter uma cultura própria e uma música só sua: o vibrante rock’n’roll.
Se Elvis era um branco que amava o rhythm and blues, Chuck Berry era um negro que adorava o country, encontrando-se os dois na mesma vontade de derrubar barreiras raciais. O seu primeiro sucesso, “Maybellene”, tinha um travo country tão forte, que muitos pensavam que Berry era um hillbilly branco. A letra é deliciosa, um homem traído perseguindo de carro a sua namorada infiel, ele no seu modesto Ford, ela no seu luxuoso Cadillac, uma metáfora engenhosa das barreiras de classe e de raça.
Se Little Richard era o filho, e Elvis o espírito santo, Chuck Berry será sempre o pai. Devemos-lhe tudo.
Sem comentários:
Enviar um comentário