quinta-feira, 13 de julho de 2023

Banda do Casaco – Dos Benefícios Dum Vendido no Reino dos Bonifácios (1975)

 

Em 1975 os ambientes progressivos alastravam pelo país. Dos Benefícios Dum Vendido no Reino dos Bonifácios é surrealista, pop e profundamente português.

O primeiro disco da Banda do Casaco mostra logo pelo título que não é um álbum vulgar. A banda fundada por António PinhoNuno RodriguesCelso Carvalho e Luís Linhares surgiu das cinzas da Filarmónica Fraude e criou uma espécie de folk progressivo campestre ao qual se juntaram muitos outros músicos durante a década e sete discos que se seguiram.

Dos Benefícios Dum Vendido no Reino dos Bonifácios destaca-se logo pela capa de Carlos Zíngaro, que também canta e toca violino, violoncelo e contrabaixo neste disco. Nela, várias vinhetas com personagens disformes e alienígenas aludem às várias canções do disco, como por exemplo, uma figura feminina sem um braço alude à canção “A Cavalo Dado…”. A mesma figura aparece na contracapa com uma cigarrilha e um braço robot para a canção “Cocktail do Braço de Prata”.

A pesquisa ou influência etnográfica das tradições é persistente em todo o disco mas como exemplo podemos dar logo “A Ladaínha das Comadres”, onde bombos e flautas enquadram um refrão com “Ai Jesus cruzes canhoto/lagarto, lagarto lagarto”. Outros bons exemplos existem, espalhados pelas 14 canções do LP (ou 12 da reedição em CD, que juntou a primeira e a segunda, e a 12 e 13 da numeração original).

Dentro do álbum, além das letras, umas frases acompanham e enquadram as canções num largo fio condutor. Em “D’Alma Aviada”, que precede a das comadres, explica-se que “Um diabo é sempre o diabo. Se necessário há-de comungar uma vez por cada ano. As comadres o lembrarão”, lançando assim a canção seguinte.

A Banda do Casaco
A banda surgiu das cinzas da Filarmónica Fraude e criou uma espécie de folk progressivo campestre ao qual se juntaram muitos outros músicos durante a década e sete discos que se seguiram.

Por um lado nada é fora de época neste trabalho. O estilo de cantar aparenta a Carlos Mendes, algumas orquestrações podiam ser retiradas de discos de Sérgio Godinho… contudo tudo é diferente na mistura de influências. Mais difícil e menos pop que os citados, a banda cria algumas paisagens psicadélicas, como em “Opúsculo” ou inspira-se em canções medievais, como “Henrique ser ou não Enriquecer”. Tudo isto imerso em mensagens políticas, porque em 75 era impossível ser-se apolítico. Nas já referidas linhas que acompanham as letras das canções, esclarece-se “Por via da dúvida define-se. Henrique, célebre navegador português do Séc. XII, inventor do nosso paludismo, ao fim e ao cabo das tormentas.”

Bonifácios manda estocadas na história de Portugal como “solidários no medo, grandes viajantes em fraldas de camisa”. “Cocktail Braço de Prata” diz que “A operação é bancária/A operação é plástica/A cruz que carrega é a suástica/A ordem que ele emprega é arbitrária.”

Há experimentalismo, como em “Memorandum” e “Sábado Sauna”, que na reedição de 1993 foram juntas, e há canções mais simples na construção como “Lavados Lavados sim”, ou “Horas de Ponta E Mola”, que ainda assim exploram mudanças de ritmo ou um domínio linguístico que atravessa todo o disco e consistente e implicitamente sugere que os males de Portugal são coisas que já vem de uma antiga história. Podemos mesmo considerar este como um concept album em largas pinceladas.

A Banda do Casaco passou os discos seguintes sem saber se abraçava o lado de música mais popular, no sentido do folclore, ou mais moderno, oscilando entre estes registos, mas em Dos Benefícios Dum Vendido no Reino dos Bonifácios o equilíbrio é possível e profundamente bem feito.



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