Escapou-nos por entre as mãos no tempo em que saiu, mas conseguimos agarrá-lo agora. É um milagre temporal, digamos assim: reúne o passado do experimentalismo kosmische alemão com uma moderna onda minimalista, etérea e sonhadora. Um disco próximo da perfeição!
Imagine-se uma mistura do que de melhor podemos retirar de uns Cluster, Neu! ou La Düsseldorf (sobretudo pensando nos icónicos sintetizadores bem carismáticos, quase poéticos dessas maravilhosas bandas dos anos 70) com as guitarras dançantes e sonhadoras de Manuel Göttsching e de Robert Fripp. É mais ou menos isso que encontramos em Always Already Here, de Jonas Munk & Nicklas Sørensen. Mas vamos por partes, para que se perceba melhor, no meio de tantos nomes já invocados, quem são os senhores que fazem esta dupla. Jonas Munk é um músico dinamarquês que se mexe nos meandros da eletrónica, da música ambiente, apaixonado por sons produzidos por vários tipos de software. Nicklas Sørensen é outro dinamarquês, guitarrista, conhecido por fazer parte de um trio de rock instrumental de nome Papir. Assim, feitas as muito sumárias apresentações, vamos ao que importa, vamos ao disco propriamente dito.
Tudo acontece em apenas cinco temas, que vão desde os três minutos e meio de duração (“Here”) a quase doze (“Time”). Cinco temas variados e ricos em nuances, embora se encaixem muito bem uns nos outros, criando um corpo uno e consistente. Quase todo instrumental, embora por vezes surjam coros quase celestiais, o álbum tem inúmeros pontos de interesse. Não se pense que se trata de música ambiental à maneira de muitos dos registos mais tranquilos e planantes de Brian Eno, por exemplo. Os nomes das bandas alemãs referidas no parágrafo anterior não deixam dúvidas sobre o que podemos ouvir e encontrar em Always Already Here, mas isso ainda é dizer pouco. Se é verdade que existe uma proximidade entre o que essas bandas faziam e o que fazem agora Jonas Munk e Nicklas Sørensen, também não é menos certo que os temas deste álbum obedecem a outros critérios, nem sempre rítmicos à la motorika (isso não há aqui, de facto), antes piscando o olho a um certo apelo a meio caminho entre a meditação e a dança (mais dentro da cabeça do que no sentido dance floor, se é que nos fazemos entender).
A faixa de abertura (“Shift”) é simplesmente magnífica, muito ear friendly, com guitarras bem cadenciadas e sintetizadores hipnotizantes. Em pouco menos de dez minutos, uma fonte torrencial e repetitiva em tons quase pop. Poderia ter o dobro do tempo (enfim, há sempre a hipótese do repeat, mas não é bem a mesma coisa) que ninguém se queixaria. Segue-se “Patterns”, e o ambiente é outro, bem distinto do primeiro. Loopings mecanizados são a base, até que surge (vai surgindo ao longo do tema) uma espécie de eco distante que vem em ondas, afastando-se e regressando, até aparecer a triunfante guitarra de Nicklas Sørensen. Um primor! A curtinha “Here” parece ser um momento de transição. É, de forma bastante clara, a composição que mais se aproxima de alguns dos temas míticos dos Neu!, por exemplo. Quem tiver conhecimento dos extraordinários Neu!, Neu!2 ou Neu! ’75 encontrará essas referências com facilidade. No entanto, na faixa seguinte, na magnética “Magnetic”, há ainda muito desse universo pioneiro traçado há quase cinco décadas pelas bandas dos irmãos Dinger, Klaus e Thomas. Uma faixa construída em plano abandono criativo. É a isso que soa, a um desprendimento controlado, a um deixar-se ir comedido e sem retorno. Voltar a ouvir o legado dos Neu! e dos La Düsseldorf é arrepiante. “Tide” termina Always Already Here da melhor maneira possível. A imagem que nos ocorre é a de uma noite escura e estrelada, onde centenas de pequenos astros dançam à nossa volta, libertando-nos a alma.
Always Already Here merece máxima atenção. É um álbum livre, para se ouvir sem constrangimentos ou submissões, sem máscaras covid que nos tolhem a plena respiração. Um disco inspirador, portanto.
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