Um disco de Verão, cheio de boas vibrações caribenhas e uma névoa forte de marijuana a sair das colunas de som.
1995 foi um ano complicado para Manu Chao: a sua banda Mano Negra desfaz-se e o seu namoro de longos anos chega ao fim. Deprimido, deambula pelo mundo (México, Congo, Brasil…), recolhendo sons no seu tosco gravador e escrevinhando canções à viola para esconjurar os seus demónios.
Regressado a casa em ’98, Chao transforma esse seu diário de viagem no seu primeiro disco a solo, o icónico Clandestino. Onde Mano Negra era eufórico e eléctrico, Manu Chao é descontraído e acústico, dominado pelo balanço reggae da viola e pela sua voz quente e anasalada.
Em coerência com a frugalidade de Manu Chao, conhecido por não ter carro nem telemóvel, a Virgin não fez qualquer promoção do disco. Por isso, foi muito lenta a sua ascensão na tabela de vendas. Mas o boca-a-boca foi começando, cada fã sussurando a novidade mágica ao fã seguinte, até que cinco milhões de pessoas em todo o mundo guardavam o segredo no seu discman. A geração do interail e da mochila às costas acabara de encontrar o seu porta-voz.
A maioria dos temas é cantada em espanhol, o que somado aos trompetes mariachi, percussões cubanas e guitarradas peruanas dá um forte travo latino a Clandestino (tudo filtrado por uma sensibilidade alternativa, de quem vem do punk rock). Manu canta também em francês, inglês e português, como quem diz que não pertence a nenhum outro sítio que não ao mundo inteiro.
Entre um tema que acaba e um novo que começa não há qualquer corte, tudo flui suavemente como um riacho a correr. Melodias, palavras e beats de uma canção reaparecem em outros lugares com roupagens diferentes, acentuando a sensação de só haver uma única e enorme faixa. Excertos de noticiários, relatos de futebol, trechos de novelas e discursos políticos vão atravessando o disco, como se girássemos o botão do rádio, com o vento entrando pelo vidro aberto do carro.
Os arranjos esparsos são de um irrepreensível bom gosto mas o que torna Clandestino um disco tão especial é a qualidade da escrita das suas canções. Imaginação é a palavra-chave: nas bonitas melodias e nas palavras transbordantes de poesia.
Clandestino é um disco de Verão, cheio de boas vibrações caribenhas e com uma névoa forte de marijuana a sair das colunas de som (reza a lenda que Manu fuma mais erva sozinho do que os Wailers todos juntos). Mas se tivermos mais atentos encontraremos também muita dor e desilusão, e não falamos só do seu coração partido. Na fronteiriça “Welcome to Tijuana”, o festim dos sentidos de “tequila, sexo e marijuana” tem tanto de euforia como de desespero. Em “Bongo Bong”, um percussionista africano que era o maior na sua aldeia natal batuca para ninguém na solidão da grande cidade. E a canção que dá nome ao disco é um retrato duro sobre a situação dos sem-papéis. Nestas vinhetas, o subtexto esquerdista é evidente mas Chao nunca cede ao facilitismo panfletário, nem partir montras em “manifs” anti-globalização é um requisito para se ser fã. Manu apenas mostra o mundo tal como ele é: cruel mas belo, cheio de “lágrimas de oro”.
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