sábado, 26 de agosto de 2023

Crítica Leves Passos : "Jamais Visto"

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Crítica

Leves Passos

 : "Jamais Visto"

Ano: 2023

Selo: Mercúrio Música

Gênero: Art Rock, Eletrônica

Para quem gosta de: Mahmed e Máquinas

Ouça: Impulso Que Resta e Atrás Dos Olhos

Entre guitarras labirínticas, fragmentos de batidas e sintetizadores que soam como pianos em uma noite escura, Ayla Lemos e Felipe Couto abrem passagem para o primeiro trabalho de estúdio do colaborativo Leves PassosJamais Visto (2023, Mercúrio Música). Produto da parceria entre a cantora e compositora cearense e o conterrâneo que atua como multi-instrumentista e produtor, o registro concebido à distância, via mensagem no WhatsApp, sustenta na introdutória Diante Medida parte dos elementos que serão incorporados pela dupla no decorrer do material. São versos existenciais que atravessam os momentos de solidão vividos durante a pandemia, como um acumulo das angústias compartilhas pelos dois artistas.

Uma vez apresentado o conjunto de regras que rege o material, Lemos e Couto, sempre em companhia do coprodutor Regis Damasceno, se aventuram na construção de um repertório cada vez mais retorcido, torto, como um complemento aos versos que se revelam ao público em pequenas doses. Exemplo disso fica bastante evidente logo na canção seguinte à já citada faixa de abertura, Queima, música que avança em uma combinação de sintetizadores amorfos, porém, cresce no encontro das vozes e batidas que apontam para nomes como Thom Yorke. “Quem não ousa descer do ser / Não pode mais se deitar“, canta a dupla.

Entretanto, é com a chegada de Atrás Dos Olhos, vinda logo em sequência, que todos esses elementos parecem organizados de forma ainda mais interessante. Enquanto os versos mais uma vez refletem a poesia atormentada que move o trabalho (“Fecho os olhos, carrego minha culpa em copos d’água“), uma linha de baixo em destaque e batidas rápidas garantem maior fluidez ao material. É como uma intensa combinação de ritmos, arranjos e vozes, direcionamento que cessa somente com a entrega de Fronteira, faixa que encolhe e cresce a todo instante, culminando nos arranjos de cordas do músico João Victor.

Com a chegada de Elã, as guitarras de Lemos assumem uma posição de destaque, convidam o ouvinte a se perder em um labirinto de sensações e trilham percursos poucos usuais, porém, a combinação de batidas eletrônicas e sintetizadores pouco avança quando próximas do material entregue na já citada Atrás Dos Olhos. Não por acaso, ao mergulharmos em Sussurro, a direção muda e a dupla abre passagem para a segunda metade do disco. Regida em essência pelo violão de Couto e as vozes da companheira, a faixa ainda conta com participação de Clarisse Aires, dona da flauta transversal que surge nos minutos finais.

Passado esse momento de maior calmaria, a chegada de Impulso Que Resta, sétima canção do trabalho, mais uma vez eleva o som produzido pela dupla. Da sempre detalhista construção das batidas à flauta complementar de Aires, tudo parece pensado para capturar a atenção do ouvinte. Instantes em que os dois artistas utilizam de parte dos elementos previamente apresentados ao longo do registro, porém, de forma ainda mais complexa. Essa mesma riqueza de detalhes acaba se refletindo na posterior Carneia, música que partilha de uma abordagem excessivamente similar ao som produzido pelo Four Tet em obras como There Is Love in You (2010), mas que em nenhum momento corrompe a identidade da Leves Passos.

Faixa-título e música de encerramento do trabalho, Jamais Visto rompe com o restante da obra, utiliza de uma abordagem excessivamente minimalista e pouco expressiva quando próximo de outras criações da dupla, porém, consistente quando a percebemos como o ponto final da jornada sentimental e poética que orienta a formação do registro. “Dessa longa estrada / Tanto vento e nada / Foi“, reflete Lemos em tom melancólico. É como se a dupla, mais do que garantir respostas, parecesse interessada nas perguntas, mergulhando em um exercício de autodescoberta, mas que jamais exclui o ouvinte desse processo. 



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