Alguém disse que o primeiro dever da pop é capturar o presente e Rio grita “1982!” a cada instante.
Estávamos em 76-77 quando a lufada de ar fresco do punk varreu a mofenta Inglaterra. O efeito de mobilização foi incrível: distinguir um dó de um ré deixara de ser critério, a simples tusa de fazer acontecer bastava para fazer acontecer.
Chegados a 78, a fórmula original estava gasta e ainda bem. Continuar a ser punk em espírito só poderia significar uma coisa: deitar os discos dos Pistols pela janela e explorar novas formas de vitalidade. A essa abertura a novas e abrasivas estéticas deu-se o nome de pós-punk.
Ora o synthpop original de um Gary Numan ou de uns Cabaret Voltaire tinha esta radicalidade artística, usando os gélidos sintetizadores para desenhar paisagens distópicas e desumanizadas à Kraftwerk. Pode parecer contra-intuitivo mas foi esse o ponto de partida dos Duran Duran. Aliás, ainda existem no seu primeiro disco ecos deste experimentalismo pós-punk, como é o caso da arabesca “Tel Aviv”, bonito e melancólico tema instrumental.
Acontece que muitas destas bandas acabaram por se cansar de tanta angst sisuda, procurando linguagens mais escapistas e dançáveis. Onde a primeira vaga de synthpop é fria e robótica, a segunda banha-se de luz e optimismo. Alguns destes grupos soalheiros, como os Duran Duran e os Spandau Ballet, acrescentam novo romantismo à receita, com o seu sentido de moda sofisticado e andrógino, uma reacção ao anti-glamour do punk.
Classificar os Duran Duran de synthpop é, talvez, simplista. Mais correcto seria chamá-los de uma banda de rock com sintetizadores. O baixo borbulhante e a bateria funky dão o balanço dançável à banda, disco sound para punks na reforma. A guitarra fornece a acidez que os professores Chic nunca quiseram ter. A voz traz a elegância e o charme que os Roxy Music sempre tiveram. Por mais requintadas que as teclas de Nick Rhodes sejam (como raio conseguem soar frias e quentes ao mesmo tempo?), a verdade é que é apenas mais um ingrediente.
O primeiro disco já tinha singles esmagadores como “Girls on Film” e um lado B sorumbático para agradar aos estudantes de belas artes, mas nada nos tinha preparado para a perfeição pop de Rio, onde é difícil encontrar um refrão que não nos expluda na cara como uma granada de smarties. Não falamos só dos singles “Rio”, “Hungry like the Wolf” e “Save the Prayer”, tão icónicos que nenhuma história dos anos 80 estará completa sem os mencionar. Falamos também das suas vizinhas menos célebres, da tristeza doce de “Lonely in your Heart” até à melancolia sonhadora de “The Chauffeur” (o momento Orchestral Manouvers in the Dark do disco, com o seu bonito filigrana de sintetizadores macambúzios), passando por… bem… todas as outras.
Alguém disse que o primeiro dever da pop é capturar o presente e Rio grita “1982!” a cada instante: o hedonismo descomplexado, o escapismo desavergonhado, o amor pelo vistoso e o inorgânico. Com a recém-fundada MTV sequiosa de conteúdos, apostaram todas as fichas na produção de vídeo-clips exóticos, aventureiros e sensuais. Onde antes as vidas eram a preto e branco, de repente começaram a entrar iates, decotes e elefantes pelas casas adentro, num festim de cores e fantasia. A sua transmissão ubíqua na tv cabo americana foi o cavalo de Tróia que lhes permitiu conquistar a América, naquilo que foi apelidado de segunda invasão britânica.
Com a América a seus pés, os Duran Duran eram a maior banda pop do planeta, gerando fenómenos de histeria de massas inéditos desde a Beatlemania. A imagem em vídeo de uma fã na primeira fila de um concerto oferecendo a sua roupa interior escarlate aos seus ídolos diz tudo sobre a carga sexual da adulação. Enquanto as bandas mais armadas ao pingarelho atraíam sobretudo os rapazes, os Duran Duran não tinham qualquer pudor em servir o seu público orgânico: as miúdas, os miúdos que andavam atrás das miúdas, toda a gente, portanto…
Ora o namoro descarado dos Duran Duran com o mainstream despertou o ódio dos jornalistas musicais, horrorizados pelos “penteados à coninha de sabão”, o “novo-riquismo-pseudo-jet-set”, o “obsceno materialismo yuppie” e “a lepra de ter a princesa Diana como fã número um”. Chegaram mesmo à vileza de os reduzir a uma mera boys band quando a sua autonomia criativa era total: escreviam e interpretavam as suas canções, sempre donos integrais da sua estética. Subtraídos todos os patetas preconceitos ideológicos, que nunca se deveriam imiscuir no julgamento do belo e do feio, ficará sempre uma música melódica, vibrante e vital que nenhum moralismo crítico poderá algum dia derrubar. Mas isso são minundências, dirão os doutos polícias do gosto, ajeitando os aros dos óculos…
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