Mais de 20 anos depois, os Três Tristes Tigres voltam aos discos, com uma obra densa e claustrofóbica mas também recompensadora.
É o aguardado regresso de uma das mais interessantes e mutantes parcerias da música portuguesa das últimas décadas. Ana Deus (quem se lembra dos BAN?) e Alexandre Soares (um dos fundadores dos GNR) já viveram muitas vidas, juntos e em separado, mas o legado dos Três Tristes Tigres (TTT) – grupo que os junta à poetisa Regina Guimarães – ficou de certa forma inacabado há mais de 20 anos.
Depois disso, cada um para seu lado, até Soares e Deus se juntarem no projeto Osso Vaidoso, que nos deu dois discos, mais crus e despidos que o trabalho anterior dos TTT. Mesmo a vida deste grupo central não é fácil de caracterizar. Em 1993 sai Partes Sensíveis, a bem recebida estreia pop, ainda sem Alexandre Soares. De seguida, em 1996, chega o segundo volume, Guia Espiritual, que é um passo em frente numa construção ainda pop mas mais complexa e profunda. Este foi o grande momento da banda, com elogios da crítica e do público, muito à boleia do óptimo single “Zap Canal“. E se o segundo disco era muito bom, possivelmente o terceiro foi ainda melhor: Comum sai em 1998 e é um álbum ainda mais exploratório, com as electrónicas a ganharem preponderância. Um disco denso, claustrofóbico e muito rico e, juntamente com o anterior, um trabalho incontornável do melhor que a música portuguesa fez nos anos 90.
Depois, o silêncio. Houve o reencontro enquanto Osso Vaidoso, até que o trio assumiu o regresso enquanto TTT. Em declarações recentes, Ana Deus e Alexandre Soares falam como se esta fosse uma nova vida, uma nova banda. Parecem pouco interessados no passado – mesmo que glorioso – e isso costuma ser o combustível para andar em frente, para a busca. E a busca sempre foi um traço marcante destes músicos.
Chegados a este distópico ano de 2020, temos finalmente nas mãos o quarto disco de originais de Três Tristes Tigres (disponível em CD, vinil e na síntese digital): Mínima Luz.
Encontramos aqui alguns marcos terrestres que nos indicam a familiaridade com a região TTT na sua vertente mais livre e mais exploratória. O grupo traz-nos uma espécie de síntese entre a linguagem de Comum e a fraca iluminação dos Osso Vaidoso, deixando para trás as “canções” dos registos anteriores. O resultado é um disco imersivo, opressivo e labiríntico. Mínima Luz faz jus ao seu nome, com as preciosas palavras lutando para nos levar adiante, no meio das camadas e dos mantras instrumentais que se vão revelando, sem pressas.
Sentimos saudades do lado pop – ainda assim inventivo – que os Três Tristes Tigres já nos deram, mas o caminho é agora, cada vez de forma mais declarada, de exploração. Não temos aqui nada que ouçamos na rádio e, na verdade, nada que não identifiquemos, imediatamente, como o rasto sonoro dos Três Tristes Tigres. Numa altura em que há tanta coisa indistinta, rapidamente consumível e superficial, Mínima Luz é o contraponto teimoso e aventureiro a tudo isso.
Difícil, sim. Mas também recompensador.
Sem comentários:
Enviar um comentário